Medida já foi determinada pelo STJ e tem sido usada nas
mais diversas situações
A Justiça tem determinado a penhora de salário para o
pagamento de dívida, apesar de o Código de Processo Civil (CPC) proibir
expressamente a medida. As decisões são geralmente contra devedores com
rendimentos considerados acima da média e sem nenhum outro bem. O limite
adotado pelos magistrados é de 30% dos vencimentos.
A medida já foi autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e tem sido usada nas mais diversas situações. A proprietária de um
imóvel, por exemplo, obteve a penhora de 15% do salário de um coronel. Ele
ganha R$ 18 mil e deve R$ 50 mil em alugueis. Um advogado conseguiu 15% sobre
os R$ 14 mil recebidos por um delegado. A dívida de honorários é de R$ 30 mil.
E um hospital obteve penhora de 20% do salário de R$ 5 mil de uma pessoa que
tem dívidas hospitalares de R$ 51 mil.
Nesses casos, os valores são descontados pelo próprio
empregador, em cumprimento à determinação judicial, depositados em uma conta
judicial, para posterior resgate pelo credor. Nas decisões, fica autorizada a
penhora até o limite da dívida.
O advogado Alexandre Matias, sócio da Advocacia Maciel, que
atuou nos três casos, afirma que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal
(TJ-DF) e o STJ possuem precedentes que relativizam a impenhorabilidade do
salário até o limite de 30%, fazendo uma ponderação entre a dignidade da pessoa
humana e a efetividade do pagamento da dívida.
De acordo com ele, houve uma mudança significativa na
redação do artigo que trata da impenhorabilidade no CPC de 2015. No novo texto
não há o termo “absolutamente impenhoráveis”, previsto na norma de 1973, o que
permitiria alguma flexibilização.
A penhora, contudo, só tem sido adotada em casos
excepcionais, quando esgotada a procura por outros bens, como dinheiro, imóveis
e automóveis, listados no artigo 835 do CPC. E quando, por meio do Imposto de
Renda, verifica-se o pagamento mensal de salário. “Às vezes, são vencimentos
muito acima da média brasileira e, mesmo assim, o devedor se sente confortável
em não pagar sua dívida”, diz Alexandre Matias.
Ao analisar o pedido de um hospital (processo nº
0725233-88.2020.8.07.0000), a maioria dos desembargadores da 8ª Turma do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) foi a favor da penhora do salário
de um paciente, vencido o relator, desembargador Mario-Zam Belmiro Rosa. Para
ele, o artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015 é claro e
proíbe expressamente a medida.
O desembargador Diaulas Costa Ribeiro, que apresentou o voto
vencedor, destacou que a Corte Especial do STJ firmou o entendimento, em
decisão de março de 2019, de que a regra geral da impenhorabilidade de salários
pode ser afastada quando for observado percentual que assegure a dignidade do
devedor e de sua família (EREsp 1582475).
O julgador ainda cita decisão recente, publicada em junho
deste ano, da 2ª Seção do STJ. O mesmo entendimento foi adotado em uma ação de
despejo e cobrança de alugueis (EREsp 1701828).
Segundo o advogado Luís Cascaldi, sócio de contencioso e consultivo
cível do Martinelli Advogados, os pedidos de penhora de salário têm sido
frequentes nas execuções, quando se diminui o campo de atuação de recuperação
de crédito. “Nos deparamos com todos os tipos de decisão”, diz.
No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), afirma, existem
juízes resistentes à adoção da medida. O advogado ressalta, contudo, que a tese
ganhou mais força após o julgamento da Corte Especial do STJ, em 2019. “Nos
casos em que o juiz vê que existe dinheiro de sobra, não há motivo para não
pagar a dívida.”
A 6ª Turma do TJ-DF também decidiu, por maioria, a favor da
penhora numa ação de despejo e cobrança de alugueis, até o limite de R$ 50 mil.
Para o relator, desembargador Alfeu Machado, “também merece proteção o direito
do credor à satisfação de seu crédito (incluída a atividade satisfativa), uma
vez que o salário de quase R$ 18 mil, ainda mesmo com penhora de 15%,
continuará com valor que não compromete a subsistência do devedor ou de sua
família”.
No entendimento do magistrado, a medida “nem de longe
configura sua ruína financeira, já que é devedor reconhecido em processo
judicial, responsável pela satisfação do débito com seus bens, presentes e
futuros, para o cumprimento de suas obrigações” (processo nº
0700218-54.2019.8.07.0000).
Em um caso em que o advogado Alexandre Matias atua em causa
própria, ele conseguiu decisão da 15ª Vara Cível de Brasília para penhorar 15%
do salário de um delegado, que recebe cerca de R$ 14 mil mensais, para o
pagamento de honorários. A dívida é de cerca de R$ 30 mil.
O juiz João Luis Zorzo entendeu que a situação está entre as
exceções previstas no artigo 833 do CPC. Isso porque o parágrafo 2º diz que
essa vedação não se aplica para pagamento de prestação alimentícia,
independentemente de sua origem, bem como a valores excedentes a 50 salários
mínimos mensais. Segundo o magistrado, existem diversos precedentes no STJ que
reafirmam a natureza alimentar dos honorários advocatícios.
A advogada Maria Tereza Tedde, do Salusse Marangoni
Advogados, contudo, pondera que, além de haver uma proibição expressa da
penhora de salários, essas decisões teriam que ser aplicadas apenas quando há
fraude comprovada ou em casos muito excepcionais. “Dá um certo medo porque são
questões muito subjetivas, como medir o que seria muito ou pouco ou suficiente
para preservar a dignidade”, questiona.
Para ela, como o Brasil segue cada vez mais os precedentes,
é perigoso que essa orientação passe a ser aplicada de forma irrestrita.
“Dependendo dos gastos, da quantidade de dependentes, mesmo um salário alto
pode estar todo comprometido.”
Fonte: Valor Econômico