O reconhecimento do poliamor como entidade familiar, fazendo
com que o Direito de Família se adeque aos fatos da vida bem como as mudanças
sofridas pela sociedade é questão de necessidade, é direito necessário.
A busca pelo reconhecimento das famílias poliamorosas e os
direitos decorrentes desta relação em conformidade ao princípio da dignidade da
pessoa humana e do próprio pluralismo das entidades familiares, nos levam, sob
a ótica jurídica a buscar um entendimento do porquê da omissão do ordenamento
jurídico brasileiro no que concerne a resolução de conflitos nas relações
poliamorosas especificamente dentro do direito sucessório.
1. Conceito e visão jurídica sobre o poliamor
Segundo Santiago (2015) apud Cunha (2016), o poliamor pode
ser conceituado como sendo o amor romântico que envolve mais de duas pessoas, o
qual é marcado pela honestidade e ética, além do consentimento e conhecimento
de todos os envolvidos, ademais, cumpre mencionar que um dos pressupostos das
relações poliamorosas é a honestidade entre as partes envolvidas, tendo por
base, ainda, o vínculo afetivo criado entre os praticantes.
Em meio a tal conceito vislumbra-se o poliamor como o
direito da livre escolha em ter um relacionamento afetivo com mais de uma
pessoa, abrangendo não só as relações sexuais mais as relações emocionais de
afeto, não omitindo assim, a existência de todos os envolvidos na relação.
Sob a ótica jurídica é sabido que dois casamentos não podem
ser tidos como válidos, pois configuraria a bigamia que de acordo com o artigo
235 do Código
Penal é crime, sob pena de reclusão de dois a seis anos para aquele que
contrai novo casamentojá sendo casado, e pena de reclusão ou detenção de um a
três anos para aquele quenão sendo casado, contraia casamento com pessoa
casada, conhecendo essa circunstância.
Mas, caso a parte ainda que legalmente casada, mesmo possuindo
impedimento legal para contrair novo matrimonio (artigo 1.521, Código Civil,
2002) esteja separada de fato e neste ínterim contraia outra união, sendo esta
pública, contínua, duradoura e com o intuito de constituir família (artigo
1.723, Código
Civil, 2002) esta será reconhecida como união estável, neste sentido,
verifica-se que as pessoas casadas estão impedidas de novamente se casarem
antes do divórcio, mas, não impedidas de constituir uma união estável desde que
separadas de fato.
No que concerne ao poliamor todos os envolvidos são cientes
da situação dos companheiros e aceitam a relação multíplice, porém, em se
tratando da aplicabilidade do direito dentro da legislação pátria nos casos
concretos esta não tem especificações, ficando a cargo da doutrina e de poucas
jurisprudências tanto o seu conceito quanto o seu possível reconhecimento como
um instituto dentro do Direito de Família.
Ocorre que após o reconhecimento de igualdade entre
companheiros e cônjuges, seja na União estável hétero ou homoxessual no que diz
respeito ao Direito Sucessório, e, ainda, pautando-se no intuito das relações
poliamorosas que buscam um relacionamento com base na fidelidade, lealdade, no
conhecimento e na aceitação de todos os envolvidos, todos os efeitos tanto de
cunho pessoal quanto patrimonial reconhecido na união estável devem ser
aplicados a relação poliamorosa, posto que esta assim como a união estável
também se caracteriza como duradoura, pública, contínua e com o intuito de
constituir família.
O ordenamento jurídico brasileiro se posiciona
majoritariamente de forma contraria, tendo por base o Princípio da monogamia e
sob o embasamento de que conforme mencionado alhures não existe possibilidade
da constituição de dois casamentos sob pena de configurar o delito de bigamia,
acarretando assim a nulidade do segundo casamento, ficando assim os praticantes
do poliamor, em regra, desprovidos da proteção do Direito de Família.
Nítido é que, a aplicação da lei bem como dos princípios
norteadores do Direito de Família ainda é tida como desafiadora, haja vista a
falta de legislação específica e a consideração ao Princípio da monogamia,
deixando, assim, de acompanhar em partes as novas formas de família que vem
surgindo junto com a evolução da sociedade, especificamente quanto aos
possíveis efeitos patrimoniais que a dissolução das uniões poliafetivas podem
trazer.
2. O poliamor e
uma possível divisão de bens
O poliamor não é reconhecido pelo sistema jurídico
brasileiro como parte do Direito de Família, assim não existe disposição legal
bem como consenso doutrinário ou jurisprudencial no que diz respeito ao Direito
Sucessório neste tipo de relação, mas deve-se se atentar ao fato de que após o
término de um relacionamento poliamorista faz-se necessário dentre outros,
identificar quais são as possibilidades jurídicas existentes que possam vir a
respaldar uma possível divisão de bens.
No que concerne às relações poliafetivas a de ser levado em
consideração o princípio da dignidade da pessoa humana e o Princípio da
afetividade, bem como o texto do artigo 1.723 do Código Civil/02 o qual traz os
requisitos que se preenchidos caracterizam a união estável, haja vista que a
união poliafetiva nada mais é que um relacionamento simultâneo e consentido o
qual é público, continuo, duradouro e com o intuito de constituir família.
Não há justificativa plausível para que as relações
poliamorosas não sejam reconhecidas pelo Sistema Jurídico Brasileiro como uma
entidade familiar e a ela trace meios de resolução de lides, posto que referida
forma de relacionamento vem se mostrando cada vez mais presente no cotidiano,
deixar de reconhecer a família poliamorista como entidade familiar leva à exclusão
de todos os direitos no âmbito do Direito das Famílias e Sucessório.
No que diz respeito especificamente ao Direito Sucessório e
a uma possível partilha de bens, partir da premissa de reconhecimento da forma
em que os bens comuns a título oneroso foram adquiridos pelos membros da
relação poliafetiva, e a partir de então proceder à partilha aplicando de forma
analógica os preceitos legais usados quando da união estável, isso para que
todos os envolvidos se vejam amparados juridicamente, até que tal forma de
entidade seja reconhecida legalmente é crucial.
Noticia-se segundo o site do Instituto Brasileiro de Direito
de Família o IBDFAM, que a primeira Escritura de União Poliafetiva registrada
no país foi realizada no Cartório de Tupã, no interior de São Paulo, no ano de
2012, por duas mulheres e um homem, a escritura especificamente tratava sobre
os direitos e deveres dos conviventes, sobre as relações patrimoniais e sobre a
dissolução da união poliafetiva e sobre os efeitos jurídicos desse tipo de
união, tendo como regime o da comunhão parcial de bens.
Porém, o CNJ decidiu em 26 de junho de 2018, nos autos de
0001459-08.2016.2.00.0000 proibir a confecção, pelos cartórios, de escrituras
públicas de união estável em relações poliamorosas.
A fundadora do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM) a jurista Maria Berenice Dias defende a ideia de que o princípio da
monogamia não está na constituição, e sim é um viés cultural. O código civil
proíbe apenas casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso. A jurista
defende ainda a ideia de que essas pessoas trabalham, contribuem e, por isso,
devem ter seus direitos garantidos. A justiça não pode chancelar a injustiça.
Neste sentido não há justificativa para que os laços de
afeto e de família construídos no paralelismo consentido continuem
desprotegidos, a realidade da sociedade atual não pode ser ignorada
juridicamente ou ainda, a justiça não pode ferir os preceitos constitucionais
que protegem as entidades familiares e todos os efeitos decorrentes dela.
Considerações Finais
A Constituição
Federal aduz em seu artigo 226 que a família, a base da sociedade, tem
especial proteção do Estado, nestes termos entende-se que o Estado protege as
entidades familiares, proporcionando através do Direito de Família a resolução
de todas as lides que venham a surgir.
Vislumbramos aqui parte dos problemas relacionados aos
relacionamentos fundamos no poliamor, bem como as repercussões jurídicas no que
tange ao Direito Sucessório, ainda que tal forma de família não seja
juridicamente reconhecida.
Verifica-se uma grande divergência, se não uma omissão no
que diz respeito ao tema, o que consequentemente traz dificuldade em se ver
assegurado pela Justiça quando parte de um relacionamento pautado pela
afetividade, e que tem os moldes divergentes ao até então aceitável pela
sociedade dita como contemporânea.
Ainda que outras formas de família tenham sido inseridas em
nosso ordenamento jurídico, o que mostra um avanço ainda que lento quanto a
aceitação destas, e ainda que o poliamor seja uma forma de relacionamento
antigo, a atual legislação mostra-se omissa quando da aplicação de normas
específicas, tratando os casos que são levados ao judiciário como meras
exceções a serem dirimidas em analogia as leis vigentes.
Neste contexto ratifica-se que as relações pautadas no
poliamorismo, são pautadas pelo afeto mutuo de três pessoas que por opção tem
um relacionamento simultâneo, consentido por todos os envolvidos e que tem por
objetivo constituir uma família, dentro da boa-fé e da publicidade.
Espera-se que tais relações sejam igualmente tratadas quando
da busca ao judiciário para verem dirimidos os seus possíveis conflitos, pois,
parte-se do pressuposto de que convivem como se fossem uma família, gerando
neste sentido todos os efeitos jurídicos inerentes a tal instituto.
É perfeitamente claro que a referida forma de relacionamento
não fere nenhum preceito legal, não causando dano à coletividade, posto que conforme
mencionado, à relação é pautada pelo afeto entre três pessoas de forma
totalmente consentida, o que não traz nenhuma óbice quanto ao seu
reconhecimento como entidade familiar, o que se espera de tal forma de
relacionamento simultâneo é que este seja legalmente regulado, isso para que se
tenha o mínimo de direitos assegurados.
Faz-se necessário entender que o poliamor existe e a sua não
regulamentação prejudicará os envolvidos, surge neste contexto alguns
questionamentos que devem ser levados em consideração quando da justificativa
do seu não reconhecimento, se a multiparentalidade onde pode ocorrer o registo
de uma criança criada com vários pais e mães pode ocorrer, o que impede que
estes morem na mesma residência e tenham de fato um relacionamento amoroso? E a
pensão alimentícia no caso da multiparentalidade poderá ser cobrada de ambos os
pais ou mães que consta no registro de nascimento quando estes morarem juntos e
mantiverem um relacionamento amoroso de fato?
Neste sentido, reconhecer as relações pautadas no
poliamorismo, ou seja, o reconhecimento do Poliamor como entidade familiar,
fazendo com que o Direito de Família se adeque aos fatos da vida bem como as
mudanças sofridas pela sociedade é questão de necessidade, é direito
necessário, o respaldo da justiça de forma justa nas lides que versam sobre o
Direito Sucessório no que tange as relações vividas sob a ótica do poliamor
cada vez mais vem sendo buscado, o que demonstra uma real e necessária
adequação da norma jurídica brasileira o quanto antes.
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