*Jefferson
Luiz Maleski
Dos
benefícios previdenciários pagos pelo INSS no Regime Geral da Previdência
Social (RGPS), sem dúvidas a pensão por morte é um dos que mais levantam
dúvidas. Para responder a uma das mais comuns e aos seus principais
desdobramentos, resolvi escrever sobre as hipóteses em que a pensão por morte
deve ser paga para a ex-esposa ou ex-companheira, mesmo quando o falecido já
constituiu outro relacionamento amoroso.
Antes,
um aviso importante: esse artigo usa a referência no feminino (ex-esposa) por
ser a situação mais comum – o IBGE comprova estatisticamente que as mulheres
vivem mais que os homens e, por consequência, existem mais pensões por morte
pagas à mulheres do que aos homens. Contudo, mas as mesmas considerações
tratadas aqui também se aplicam para pensões por morte pedidas por ex-maridos e
por ex-companheiros. Basta trocar o sexo da pessoa mentalmente quando estiver
lendo.
Vamos
tratar das seguintes situações:
Pensão
por morte para ex-esposa divorciada no papel;
Pensão
por morte para esposa separada de fato, mas ainda casada no papel;
Pensão
por morte para ex-companheira.
O
artigo 16 da lei 8.213/91 traz a lista de quem são os familiares do falecido
considerados dependentes previdenciários e que podem pedir a pensão por morte.
Os familiares são divididos em três classes, sendo que os dependentes das
classes superiores excluem os das classes inferiores na divisão da pensão.
Assim, na primeira classe (inciso I) estão o cônjuge (marido ou esposa), os
filhos, os enteados, os tutelados e os(as) companheiros(as); na segunda classe
(inciso II) os pais; e na terceira classe (inciso III) os irmãos.
Esta
lista é considerada taxativa, o que significa que somente quem está nela pode
pedir a pensão por morte. Existem dois acréscimos feitos pela jurisprudência do
Poder Judiciário: os avós, em alguns casos, e os menores sob guarda, mas que
não são o tema deste artigo.
A
lei determina as situações em que se perde a qualidade de dependente e, como
consequência, se perde o direito aos benefícios previdenciários concedidos aos
dependentes, como a pensão por morte. No caso da ex-esposa, o art. 17 do
Decreto 3.048/99 determina que
Art.
17. A perda da qualidade de dependente ocorre: I – para o cônjuge, pelo
divórcio ou pela separação judicial ou de fato, enquanto não lhe for assegurada
a prestação de alimentos, pela anulação do casamento, pelo óbito ou por
sentença judicial transitada em julgado;
1.
PENSÃO POR MORTE PARA EX-ESPOSA DIVORCIADA NO PAPEL
Assim,
a mesma norma legal acima que determina as situações em que a ex-esposa perde a
qualidade de dependente também traz a exceção. Desta forma, mesmo a ex-esposa
divorciada, que perder a qualidade de dependente, pode continuar ou voltar a
ter o direito a receber pensão por morte. Seria um caso de perda da qualidade
de dependente, mas não do direito a receber o benefício. Vejamos as situações
em que isso ocorre.
1.1.
QUANDO A EX-ESPOSA RECEBE PENSÃO ALIMENTÍCIA
Neste
caso, a lei diz que “O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato
que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os
dependentes referidos no inciso I do art. 16 desta Lei” (art. 74, § 2º, da lei
8.213/91). Como visto acima, os dependentes mencionados no inciso I do
artigo 16 são os da primeira classe.
Qual
será o valor da pensão por morte para a ex-esposa que recebe pensão
alimentícia? Como citado no parágrafo anterior, ela “concorrerá em
igualdade de condições“, significando que dividirá o valor total da pensão por
morte com os demais dependentes em partes iguais, isto é, recebendo a mesma
coisa que a esposa ou companheira atual e os filhos do falecido (art. 77, da
lei 8.213/91).
Por
quanto tempo a ex-esposa que recebe pensão alimentícia receberá pensão por
morte? Até 2019, não havia prazo final. Mas, em 18/01/2019 foi incluído o
parágrafo 3º no artigo 76 da lei 8.213/91, que passou a determinar que, se a
pensão alimentícia for por prazo determinado (alimentos temporários), por
exemplo, de 2 anos, a pensão por morte será paga para a ex-esposa pelos mesmos
2 anos.
3º
Na hipótese de o segurado falecido estar, na data de seu falecimento, obrigado
por determinação judicial a pagar alimentos temporários a ex-cônjuge,
ex-companheiro ou ex-companheira, a pensão por morte será devida pelo prazo
remanescente na data do óbito, caso não incida outra hipótese de cancelamento
anterior do benefício.
Assim,
se os alimentos foram estipulados antes de 2019 ou se não foi fixado prazo
final para os alimentos, o pagamento da pensão por morte será vitalício.
Poderia ser aplicado para a ex-esposa o mesmo prazo de duração de pensão por
morte definido à esposa e à companheira (art. 77, § 2º, V, da lei 8.213/99),
que varia conforme o tempo de contribuição do falecido e a idade da viúva? Em
uma interpretação extensiva sim, mas a hipótese da cessação se refere
expressamente apenas ao “cônjuge ou companheiro“.
A
ex-esposa receberá pensão por morte se houver pensão alimentícia estipulada
para o filho e comum? Não. É preciso diferenciar os dois tipos de pensão
alimentícia: a pensão para ex-cônjuge e a pensão para filho. Se apenas o filho
receber a pensão alimentícia, ela é dele, mesmo que quem faça a gestão dos recursos
seja a mãe. Assim, se o filho se encaixar nos requisitos para receber pensão
por morte (que não foram tratados neste artigo), terá direito a receber a
pensão por morte do pai, sendo que se for menor de idade quem será a gestora
dessa pensão até que o filho complete 18 anos será a ex-esposa. Mas, vale
frisar: os requisitos para que o filho receba pensão por morte do pai não são
os mesmos requisitos para a mãe dele receba.
Que
documentos ou provas a ex-esposa precisa apresentar para receber a pensão por
morte? Se ela recebe a pensão alimentícia, basta a sentença judicial que
determinou o seu pagamento.
E
se o marido falecer durante o processo de divórcio? Seria preciso analisar
se a esposa pediu a pensão alimentícia na ação de divórcio e se o juiz estava
disposto a concedê-la, conforme as provas juntadas no processo. Neste caso,
apesar de a ex-esposa não ganhar a pensão alimentícia, ficará comprovado que
teria direito a ela e estaria habilitada a receber a pensão por morte.
1.2.
QUANDO A EX-ESPOSA NÃO RECEBE PENSÃO ALIMENTÍCIA, MAS RECEBE AJUDA FINANCEIRA
Podem
surgir as seguintes situações: E se a ex-esposa não pediu pensão alimentícia no
divórcio, mas pediu depois e a sentença não havia saído antes do falecimento?
Assim, a ex-esposa não teria uma sentença judicial estipulando a sua pensão
alimentícia. Ou então, e se a ex-esposa nunca pediu pensão alimentícia, mas o
falecido a ajudava financeiramente, pagando diversas contas com regularidade?
Nestes dois casos, a ex-esposa teria direito a pensão por morte?
Primeiro
é preciso considerarmos outro detalhe sobre os dependentes de primeira classe
que não mencionei até agora: eles não precisam comprovar dependência
econômica do falecido. Ou seja, a esposa e os filhos não precisam provar
ao INSS que o falecido os sustentava financeiramente, mas apenas que eram
esposa e filhos, com as certidões de casamento e nascimento, respectivamente. A
ex-esposa que recebia pensão alimentícia precisa juntar só a sentença judicial
que estipulou o pagamento dos alimentos, não se exigindo provar que era
dependente economicamente do falecido.
Porém,
para a ex-esposa que não recebia pensão alimentícia, o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) editou a súmula 336, que diz: “A mulher que renunciou aos
alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte
do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente“. Na mesma
linha, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), ao julgar o Tema 45, definiu
que “É devida pensão por morte ao ex-cônjuge que não percebe alimentos, desde
que comprovada dependência econômica superveniente à separação, demonstrada em
momento anterior ao óbito“.
Assim,
se não existir sentença judicial de pensão alimentícia, a ex-esposa terá de
comprovar a “necessidade econômica” e “dependência econômica” supervenientes
por meio de outros documentos. Resumindo: a ex-esposa, que deixou de ser
dependente previdenciária com o divórcio, se comprovar que continuou sendo
dependente econômica do ex-marido falecido, terá direito a receber pensão por
morte.
Uma
das formas de se provar seria mostrando que se entrou com uma ação judicial
pedindo a pensão alimentícia depois do divórcio, mas que o pedido não chegou a
ser julgado antes do óbito. Ou com comprovantes de pagamentos de despesas em
nome da ex-esposa pagas pelo falecido depois da data do divórcio e antes da
data do óbito, como transferências bancárias em que se identifique a conta
origem, contas e boletos no nome da ex-esposa acompanhados de recibos de
pagamentos efetuados por meio de débito em conta bancária ou cartão de crédito
em nome do falecido, dentre outros.
2.
PENSÃO POR MORTE PARA ESPOSA SEPARADA DE FATO, MAS AINDA CASADA NO PAPEL
A
separação de fato ocorre quando marido e esposa deixam de conviver como casal,
mas por qualquer motivo não oficializaram o divórcio no cartório. Continuam
casados no papel, mas não na vida real, muitas vezes passando a conviver em
união estável com outras pessoas, o que não é proibido pela lei (art. 1.723, §
1º, do Código Civil). Assim, alguém pode ser casado no papel e separado de fato
com uma pessoa e, ao mesmo tempo, estar em união estável com outra pessoa.
A
esposa separada de fato tem direito a pensão por morte? Para responder
essa pergunta, precisamos analisar algumas situações que podem ocorrer na vida
real. Antes, é preciso dizer que a separação de fato é motivo para a perda da
qualidade de dependente, se não houver prestação de alimentos (art. 17 do
Decreto 3.048/99). Além do mais, é dever legal da esposa separada de fato
declarar ao INSS se estava ou não separada de fato no momento do óbito,
conforme o artigo 372 da Instrução Normativa MPS/INSS 77/2015, que diz:
Art.
372. Na hipótese de cônjuge e companheiro habilitados como dependentes no
benefício de pensão por morte do mesmo instituidor, o cônjuge deverá apresentar
declaração específica contendo informação sobre a existência, ou não, da
separação de fato, observando que:
I
– havendo declaração de que não houve a separação de fato, o cônjuge terá
direito à pensão por morte mediante a apresentação:
a)
da certidão de casamento atualizada na qual não conste averbação de divórcio ou
de separação judicial;
b)
de pelo menos um documento evidenciando o convívio com o instituidor ao tempo
do óbito;
II
– havendo declaração de que estava separado de fato, o cônjuge terá direito à
pensão por morte, desde que apresente, no mínimo, um documento que comprove o
recebimento de ajuda financeira sob qualquer forma ou recebimento de pensão
alimentícia.
Podemos
extrair algumas situações que podem ocorrer a partir de então:
O
falecido não constituiu união estável e a esposa separada de fato ou
não fez a declaração ou mentiu declarando que não estava separada de fato.Como
a declaração sobre separação de fato é exigida pela lei apenas quando a pensão
por morte vier a ser dividida entre a esposa e a companheira, a esposa poderia
pensar que não há nada errado em não fazer a declaração. Porém, caracteriza
crime previdenciário de falsidade documental (art. 297, §§ 3º e 4º do Código
Penal) e estelionato (art. 170 do Código Penal). Contudo, como não há
companheira, a fraude só seria descoberta se outro dependente concorrente com a
pensão por morte denunciasse ao INSS (filhos, pais ou irmãos do falecido). Se
não existirem outros dependentes, apesar da fraude, dificilmente o INSS iria
descobrir que a esposa estava separada de fato, salvo se existirem informações
contraditórias nos bancos de dados federais.
Art.
74. […] § 2º Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro
ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no
casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de
constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será
assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa.
O
falecido constituiu união estável e a esposa separada de fato ou não
fez a declaração ou mentiu declarando que não estava separada de fato.Na
prática, em casos assim, o INSS costuma conceder a pensão por morte para a
esposa separada de fato e negar para a companheira, justamente porque a esposa
apresenta a certidão de casamento onde está casada com falecido, mas não
menciona nada de estar separada de fato. E nem sempre o INSS exige os
documentos do inciso I do artigo 372. Contudo, pela fraude, além de responder
pela prática dos crimes previdenciários já mencionados no item anterior, tendo
de devolver as quantias recebidas indevidamente, a esposa ainda pode vir a
responder em ação de indenização por danos morais e materiais movida pela
companheira. A companheira pode apresentar declaração de união estável
registrada em cartório (ou outras provas) e provar a sua condição de
companheira, e requerer a habilitação provisória com reserva da sua parte da
pensão por morte na Justiça (art. 74, §§ 3º e 5º, do Decreto 3.048/99).
O
falecido constituiu união estável e a esposa separada de fato fez a
declaração de que estava separada de fato, porém comprovou que recebia ajuda
financeira ou alimentos do falecido.Neste caso, se aplicará à esposa separada
de fato a mesma regra da súmula 336/STJ e do tema 45/TNU, sendo que se
comprovar dependência econômica concorrerá em igualdade com a companheira atual
na divisão da pensão por morte.
O
falecido constituiu união estável, mas a esposa não estava separada de
fato.Quando houver concorrência entre casamento e união estável, ou entre duas
uniões estáveis, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no Tema 529 que a
relação familiar mais nova não terá direito à pensão por morte, por
caracterizar-se como concubinato (amante).
A
preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes,
ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o
reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins
previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da
monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
3.
PENSÃO POR MORTE PARA EX-COMPANHEIRA
Para
a ex-companheira se aplicam as mesmas regras já consideradas para a ex-esposa,
sendo a única diferença é que muitas vezes será preciso antes comprovar a
existência e a dissolução da união estável. Se a companheira recebia pensão
alimentícia, deverá juntar a sentença judicial concessória para receber a
pensão por morte pelo mesmo tempo determinado pela Justiça. Porém, se não havia
pensão alimentícia, aplica-se por analogia a súmula 336/STJ e o Tema 45/TNU,
devendo a ex-companheira comprovar necessidade e dependência econômicas
supervenientes para poder receber a pensão por morte. A maioria das provas de
dependência econômica também servem como provas da união estável.
Para
concluir o tema, talvez seja levantada a discussão se é justo ou não que a
ex-esposa divida em parte igual a pensão com a esposa ou companheira atual.
Afinal, ela não convivia mais com o falecido, ao contrário de quem constituiu
novo relacionamento afetivo com ele. Eu sempre costumo responder, como advogado
previdenciarista, que a resposta depende de qual lado você está da questão. Os
seus argumentos serão favoráveis para a ex-esposa ou para a esposa separada de
fato se estiver nessa situação. Porém, os seus argumentos serão contrários, a
favor da esposa ou da companheira atuais se você estiver nessa outra situação.
Pode ser que venha a estar em um ou outro lado da situação em
relacionamentos diferentes. Se for advogado(a), com certeza estará. Mas,
independentemente do seu posicionamento pessoal, busquei neste artigo trazer o
que a lei e a jurisprudência atuais dizem a respeito do tema.
Espero
ter ajudado a sanar as suas dúvidas. Caso tenha surgido mais alguma dúvida não
abordada acima, não tenha receio de entrar em contato, seja nos comentários
abaixo, seja nas minhas redes sociais, ou em perguntar a algum advogado
previdenciarista de sua confiança.
*Jefferson
Luiz Maleski é advogado previdenciarista
Fonte: Rota Jurídica