Ao rejeitar o recurso especial de um homem
que matou os pais quando tinha 17 anos de idade, a Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que essa conduta está abrangida pela regra
do artigo 1.814, inciso I, do Código Civil, que exclui da sucessão quem atenta
contra a vida do autor da herança.
Por unanimidade, o colegiado entendeu que
a interpretação do dispositivo legal deve ir além da literalidade e considerar
os valores éticos que ele protege.
No caso dos autos, a pedido de seus
irmãos, o tribunal de segunda instância declarou a indignidade do recorrente e
o excluiu da herança deixada pelos pais, ainda que, tecnicamente, não se
tratasse de homicídio doloso – como consta da lei –, mas de ato infracional
análogo, pois foi cometido na adolescência.
Taxatividade é confundida com
interpretação literal
Em razão dessa diferença técnica, o
recorrente alegou ao STJ que o ato praticado não se enquadraria nas hipóteses
de exclusão da sucessão, as quais estariam taxativamente elencadas na lei e
deveriam ser interpretadas estritamente, por serem regras restritivas de
direito.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do
recurso, observou que, de acordo com a doutrina majoritária, o rol do artigo
1.814 do Código Civil é taxativo, o que impede a criação de outras hipóteses
por meio da analogia ou da interpretação extensiva.
Segundo ela, caso se interpretasse
literalmente o dispositivo – que contém a palavra "homicídio" –, o
recorrente não seria excluído da sucessão, pois o que houve foi um ato
infracional análogo ao crime de homicídio.
No entanto, a magistrada destacou que o
fato de ser taxativo não determina que o rol seja interpretado de forma
literal. "Frequentemente, confunde-se taxatividade com interpretação
literal (cronologicamente a primeira, e substancialmente a mais pobre das
técnicas hermenêuticas), o que é um equívoco", afirmou.
Norma baseada em valores éticos e morais
De acordo com a relatora, a exclusão de
herdeiro que atenta contra a vida dos pais é uma cláusula geral fundamentada em
razões éticas e morais, a qual está presente nas legislações desde o direito
romano. No Brasil, explicou a ministra, o núcleo essencial dessa regra é a
exigência de que a conduta do herdeiro seja proposital (dolosa), ainda que a
morte não se concretize, pois o bem jurídico que se pretende proteger é a vida
dos pais.
Dessa forma, apontou Nancy Andrighi, tal
norma do Código Civil deve ser entendida como: não terá direito à herança quem
atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, ainda que a conduta não
se consume, independentemente do motivo.
Diferenciação do âmbito penal não se
aplica à exclusão civil do herdeiro
"É por isso que a diferença
técnico-jurídica entre o homicídio doloso (praticado pelo maior) e o ato
análogo ao homicídio doloso (praticado pelo menor), conquanto seja de extrema
relevância para o âmbito penal, não se reveste da mesma relevância no âmbito
civil", afirmou.
Ela acrescentou que essa diferenciação é
pouco relevante, no caso em análise, porque os valores e as finalidades
(prevenção e repressão do ilícito) que nortearam a criação da norma civil
pressupõem a produção dos mesmos efeitos, independentemente de o ato ter sido
cometido por pessoa capaz ou por relativamente incapaz, sob pena de não se
atingir a sua finalidade preventiva.
"É incontroverso o fato de que o
recorrente, que à época dos fatos possuía 17 anos e seis meses, ceifou
propositalmente a vida de seu pai e de sua mãe", concluiu Nancy Andrighi
ao manter o acórdão recorrido.
O número deste processo não é divulgado em
razão de segredo judicial.