A procuração
em causa própria, por si só, não tem o poder de transferir diretamente a
propriedade de determinado bem a que se refere. Isso dependerá da ocorrência de
um novo negócio jurídico. Até lá, a pessoa que outorgou a procuração permanece
titular dos direitos em questão.
Por maioria
de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento sobre
um tema ainda altamente controverso no Judiciário e na doutrina. O
resultado unifica a jurisprudência, já que adota a mesma linha
usada pela 4ª Turma da corte, que
também julga temas de Direito Privado.
Esse tipo de
procuração é muito usado no âmbito do direito imobiliário. Por meio dela, o
vendedor do imóvel dá ao comprador o poder de representa-lo na lavratura da
escritura definitiva de compra e venda. É um meio de dispensar o vendedor da
conclusão do negócio e da transferência imobiliária.
Uma vez
outorgado, esse documento confere o poder de dispor do direito que é objeto da
procuração de forma irrevogável, inextinguível pela morte de qualquer uma das
partes e sem dever de prestação de contas. O que o STJ tem definido é que isso
não basta para transferir a propriedade do bem em questão.
Isso
significa que são válidos os atos que tenham sido praticados pelo vendedor do
imóvel após a outorga da procuração, mas antes de o procurador usá-la para
transferir a propriedade do bem — o que só ocorre com o registro do título
translativo de propriedade no Registro de Imóveis.
Direito
de propriedade x propriedade
No caso julgado pela 3ª Turma, um particular assinou contrato de compra e venda
de um imóvel em construção com uma empresa de incorporação imobiliária e,
posteriormente, outorgou procuração em causa própria relativa a esse bem para
terceira pessoa.
Em razão do
atraso na entrega do imóvel, o comprador original ajuizou ação contratual
cumulada com restituição de valores. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal
considerou-o parte ilegítima para fazer esse pedido, por entender que a
procuração outorgada equivaleria ao título translativo de propriedade do
imóvel.
Relatora, a
ministra Nancy Andrighi explicou que, apesar da outorga da procuração em causa
própria, o comprador original permanecia titular dos direitos e pretensões
jurídicas em relação ao contrato que assinou. Poderia, portanto, pedir a
rescisão da promessa de compra e venda.
Em
voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva concordou ao destacar que a
procuração em causa própria não significa a cessão de direito, compra e venda
de móvel ou imóvel ou mesmo doação. "A posição de titular do contrato
remanesce mesmo após a outorga do (amplo, porém específico) poder de transferir
o bem."
Também
votaram para formar a maioria os ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco
Aurélio Bellizze.
Que
estranho
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Moura Ribeiro, para quem parece
estranho que alguém possa outorgar procuração em causa própria para outra
pessoa após obter algum dinheiro por isso e, ainda assim, estar habilitado a
rescindir um contrato de compra e venda.
Isso
permitiria, inclusive, que a pessoa que recebeu a procuração a usasse no futuro
para transferir o imóvel ao seu próprio patrimônio ou vende-lo novamente. Para
o ministro, ao transferir todos os direitos e poderes sobre o bem imóvel,
o outorgante se desvencilha também de sua titularidade.
"A
procuração em causa própria não apenas constitui um procurador, mas
efetivamente transmite para o outorgado a posição jurídica que o outorgante
ostenta em relação ao bem objeto daquele negócio jurídico", resumiu.
"Permitir
que o outorgante postule a resolução do contrato de promessa compra e venda do
bem seria o mesmo que esvaziar completamente o mandato conferido, tal qual se
fosse ele revogado, o que não é permitido nem pelo ajuste das partes, nem pela
disposição expressa da lei", acrescentou o ministro Moura Ribeiro, no voto
vencido.
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REsp 1.962.366
Fonte: Conjur