O notariado e a registratura
Quando as coisas existem a elas
sempre é dado um nome, a fim de facilitar a sua designação e referência pelos
interlocutores. Assim, as coisas de um modo geral passam a ser conhecidas por
determinados signos, que formam uma palavra que lhe dá significado. A
nomenclatura é um elemento individualizador de uma pessoa, de uma coisa e até
mesmo de uma atividade.
Desde 1565 temos Tabelliaes por
terra brasilis. Uma das profissões estatais mais antigas oficializada por essas
bandas. Conforme DEOCLÉCIO LEITE DE MACEDO[1], "O primeiro ofício de
tabelião público do Judicial e Notas do Rio de Janeiro, de acordo com o costume
português, foi criado juntamente com a cidade, pelo capitão Estácio de Sá, em
1º de março de 1565. Pero da Costa foi nomeado seu primeiro serventuário".
O notariado brasileiro, como se
pode ver, surge apenas pouco mais de meio século após o descobrimento oficial
do Brasil.
No Brasil, o Registro de
Títulos e Documentos teve o seu início sistematizado pelo Estado, em 1603, na
então capital do Brasil, Rio de Janeiro, com o Livro I, das Ordenações do
Reino. Na época, o serviço de registro foi atribuído aos Tabeliães de Notas,[2]
não havendo uma diferenciação técnica, portanto, entre a função de Tabelião e
Registrador. Apenas com a edição da lei 973, de 1903, que se criou o
primeiro Ofício de Registro de Títulos e Documentos no Brasil, com
atribuições autônomas em relação ao Tabelionato de Notas.[3 ]
De outro turno, o Registro de
Imóveis no Brasil completou, em 2023, 180 anos. A legislação considerada o
embrião do registro predial brasileiro é a Lei Orçamentária 317, de 1843, que
criou o Registro Geral de Hypothecas, a cargo, inicialmente, dos Tabelliaes do
Registro Geral, conforme regulamentado pelo Decreto Imperial nº 482, de 1846. A
nomenclatura que conhecemos hoje (Registro de Imóveis), no entanto, somente foi
se consolidar com o Código Civil de 1916, o qual estabeleceu a este órgão registral
eficácia constitutiva.[4]
No Brasil, a secularização do
Registro Civil das Pessoas Naturais foi paulatina. Inicialmente, durante todo o
período colonial, as funções de registração eram da Igreja, em virtude das
denominadas Ordenações do Reino, que viam essa instituição como braço do Estado
português. A Lei Orçamentária 586, de 1850[5] autorizou o Governo a levar a
cabo o Censo Geral do Império e a estabelecer registros regulares de
nascimentos e óbitos, tendo esta última sido regulamentada pelo decreto 798, de
1851.[6] Ocorre que este decreto não foi bem recebido pela população
brasileira, em razão do boato de que o Governo queria, na verdade, reduzir os
cidadãos pobres à condição de escravos, o que causou revoltas populares que
ficaram conhecidas como "Roncos das Abelhas". Em razão disso, o
Governo editou, então, o decreto 907, de 1852, suspendendo a instalação do
registro civil e a realização do primeiro censo no Brasil. Houveram outras
normas acerca do tema, mas apenas com a implementação do decreto imperial
9.886, de 1888, que surge a primeira norma vigente de registro civil universal
no Brasil (englobando católicos e não católicos), sendo o marco de criação do
atual Registro Civil das Pessoas Naturais brasileiro.[7]
No Brasil, até o ano de 1889, os
protestos eram lavrados pelos escrivães do comércio. No alvorecer da República,
a partir do dia 10 de janeiro de 1890, pelo decreto 135, assinado por Deodoro
da Fonseca e por Campos Salles, se criou o cargo de Oficial Privativo dos
Protestos de Letras da capital federal, tendo-se de transferir os livros por
eles utilizados para a lavratura dos protestos, para o Oficial nomeado.
Vemos, portanto, que a função
registral derivou da função notarial, tendo se especializado ao longo do tempo,
fenômeno perceptível pelo avanço das legislações brasileiras durante o
Brasil-Colônia, Brasil-Império e Brasil-República.
Eu registro, tu registras,
ele registra, nós registramos, vós registrais, eles registram... e tudo isso é
"registratura"
Como se percebe, há um longínquo
histórico de existência dos cartórios brasileiros. Conquanto a nomenclatura
"notariado" seja unanimemente utilizada para designar a função
tabelioa (ou notarial), os integrantes da classe registral não têm difundida no
vernáculo dos dicionários uma designação unificada, que estabeleça o seu ofício
e designe o que é o atuar na arte dos registros públicos.
A utilização da expressão
notariado para designar o ofício dos Notários (Tabeliães) é difundida
mundialmente, vide a existência da União Internacional do Notariado Latino
(UINL), que congrega mais de 90 países, correspondentes a cerca de 3/4 da
população mundial, incluindo o Brasil.[8]
A importância de tal designação
está na denominação unívoca do tratamento protocolar da classe, que defere aos
Notários, ou Tabeliães, a designação de membros do notariado.
O notariado, no entanto, dada
sua especialização, não engloba o ofício dos titulares dos registros públicos,
função pública sui generis, exercida por profissionais do direito, e que,
conquanto seja coirmã do notariado (dado que advém de uma delegação de igual
natureza, tem características comuns e atuações complementares), não se trata
exatamente do mesmo mister.
Por isso, a que se dizer que a
atuação dos Oficiais de Registro, ou Registradores (assim oficialmente
nominados pelo art. 3° da lei 8.935/1994), também detém uma designação própria,
sendo, pois, o exercício da "registratura". Tal designação expressa
uma carreira estatal ou ofício público ou privado, assim como ocorre com Juízes
em relação à magistratura, Advogados em relação à advocacia (ou advocatura), e
Tabeliães ou Notários em relação ao notariado.
O sufixo latino (t)ura, quando
incluído junto com um substantivo, estabelece um "resultado ou instrumento
de ação, noção coletiva", isto é, uma designação para a coletividade de
pessoas que exercem determinada ocupação, profissão, ofício. Exemplo: magistratura,
advocatura, chefatura, legislatura, prefeitura (semântica de cargo de
prefeito). Sua classe gramatical se refere a um elemento de composição.
A designação REGISTRATURA deve,
pois, ser difundida, a fim de criar uma cultura de denominação individualizada
para a profissão do Registrador.
Assim como temos espécies de
notariado (notariado de tipo latino, anglo-saxão ou administrativo) podemos
dizer que temos espécies de registratura. Cada tipo de registratura com
linguagem própria, e com diferentes dialetos, conforme o ordenamento jurídico
de cada
país.
Definindo alguns verbetes
para o dicionário notarial e registral
Como forma de padronização
proposta neste trabalho, sugerimos os seguintes verbetes a serem adotados pela
classe notarial e registral e difundidas então em nosso vernáculo:
NOTÁRIO
No-tá-rio
s.m (substantivo masculino).
1. Exercente da função pública de tabelião ou notário
(tabelião de notas e tabelião de protestos). 2. Aquele que exerce delegação do
Estado referente a tabelionato. Sinônimo: tabelião. Feminino: notária e
tabeliã. Cognato: notariado (s.m), o múnus de notário; a instituição
correspondente aos membros da instituição notarial. CF, art. 236; lei
6.015/1973; lei 8.935/1994.
NOTARIADO
s.m (substantivo masculino)
No-ta-ri-a-do
1 Dignidade, função ou ofício de notário ou tabelião.
2 Exercício dessa função.
3 Duração dessa função.
4 Ação de exercer a função tabelioa ou notarial.
5 Classe ou delegação estatal dos notários, que constituem
os tabelionatos públicos.
REGISTRADOR
Re-gis-tra-dor
s.m (substantivo masculino).
1. Exercente da função pública de registrador público
(registrador de imóveis, registrador de títulos e documentos, registrador civil
das pessoas naturais, registrador civil das pessoas jurídicas). 2. Aquele que
exerce delegação do Estado referente registros públicos. Sinônimo: oficial de
registro. Feminino: registradora e oficial de registro. Cognato: registratura
(s.f), o múnus de registrador; a instituição correspondente aos membros da
instituição registral. CF, art. 236; lei 6.015/1973; lei 8.935/1994.
REGISTRATURA
s.f (substantivo feminino)
Re-gis-tra-tu-ra
1 Dignidade, função ou ofício de registrador ou oficial de
registro.
2 Exercício dessa função.
3 Duração dessa função.
4 Ação de realizar registros públicos ou exercer a função
registral.
5 Classe ou delegação estatal dos registradores que
constituem os registros públicos.
Repita comigo: eu registro, tu
registras, ele registra, nós registramos, vós registrais e eles registram.
Finalizamos o penúltimo
capítulo deste trabalho intitulado Nomenclaturas Notariais e Registrais. No
quinto e último bloco vamos analisar o conceito da extrajudicialização (o nome
certo para definir um fenômeno jurídico cada vez mais recorrente em nosso
País). Espero vocês lá!
__________
[1] MACEDO, Deoclécio
Leite de. Tabeliães do Rio de Janeiro: do 1º ao 4º ofício de notas: 1565-1822.
Casa Civil. Presidência da República. Col. Publicações Históricas. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2007, p. 11.
[2] A preocupação que conduzia
a necessidade de dar publicidade aos atos jurídicos considerados importantes,
com a finalidade de garantir seus efeitos, apresenta-se no Brasil Colonial,
obediente ao Reino de Portugal, vem desde as Ordenações Filipinas de 1603, que
regeram a legislação até a Proclamação da República.
[3] Lei Federal 973,
de 1903.
Art. 1º. O registro facultativo
de títulos, documentos e outros papeis, para authenticidade, conservação e
perpetuidade dos mesmos, como para os effeitos do art. 3º, da Lei 79, de 23 de
agosto de 1892, que ora incumbe aos Tabeliães de notas, ficará na Capital
Federal a cargo de um Official privativo e vitalicio, de livre nomeação do
Presidente da República, no primeiro provimento; competindo aos Tabeliães sómente
o registro das procurações e documentos a que se referirem as escrituras que
lavrarem e que, pelo art. 79, parágrafo 3º, do decreto nº 4.824, de 22 de
novembro de 1871, podem deixar de incorporar nas mesmas.
[4] Código Civil
Art. 676. Os direitos reais
sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos só se adquirem
depois da transcrição ou da inscrição, no Registro de Imóveis, dos referidos
títulos (arts. 530, n I, e 856), salvo os casos expressos neste Código.
[5] Lei Orçamentária 586,
de 1850
Art. 17. [...] § 3º. Para
despender o que necessario for a fim de levar a effeito no menor prazo possivel
o Censo geral do Imperio, com especificação do que respeita a cada huma das
Provincias: e outrosim para estabelecer Registros regulares dos nascimentos e
obitos annuaes.
[6] Decreto 798, de 1851
Art. 1º. Haverá em cada
Districto de Juiz de Paz hum livro destinado para o registro dos nascimentos, e
outro para o dos obitos que tiverem lugar no Districto annualmente.
[7] TIZIANI, Marcelo Gonçalves.
Uma breve história do registro civil contemporâneo. Portal do RI. 11 out. 2016.
Portal do RI. Disponível aqui.
Acesso em: 09 abr. 2023.
[8] Vide aqui.
Fonte: Migalhas