Olá, nobres! Iremos
detalhar neste artigo a responsabilidade sobre atos notariais. Além das
peculiaridades do tema, os tribunais superiores se debruçaram sobre o assunto,
demonstrando a sua relevância.
As atividades
cartorárias são serviço público?
Antes de adentrarmos à
responsabilidade sobre atos notariais em si, mostra-se imperioso descrever a
natureza dessa importante atividade. Os serviços notariais e de registros
possuem alçada constitucional nos termos do Art. 236 da Constituição
Federal(CF) de 1988:
Art. 236. Os serviços
notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do
Poder Público. (Regulamento)
§ 1º Lei regulará as
atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos
oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus
atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal
estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos
praticados pelos serviços notariais e de registro.(Regulamento)
§ 3º O ingresso na
atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e
títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de
concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Da leitura do
dispositivo, percebemos que as atividades notariais e de registro são uma
modalidade do serviço público, cuja titularidade pertence ao poder público que
o delega a particulares. Essa delegação, frise-se, não retira a titularidade da
Administração Pública, vez que, por exemplo, regulará as atividades,
responsabilidades e os emolumentos cobrados (§ 1º e § 2º).
Ainda sobre o tema,
ocorre que o Supremo Tribunal Federal no ano de 2005 na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2.602 assim expôs:
Numa frase, então,
serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são
serviços públicos, propriamente. Inscrevem-se, isto sim, entre as atividades
tidas como função pública lato sensu, a exemplo das funções de legislação,
diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e
tantos outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio estatal,
passam a se confundir com serviço público. Enfim, as marcantes diferenciações
pululam a partir do texto da Magna Carta Federal, permitindo-nos a serena
enunciação de que as atividades notariais e de registro nem se traduzem em
serviços públicos nem tampouco em cargos públicos efetivos[ADI, nº 2.602, voto
do min. Ayres Britto].
Confirmando o
entendimento exposto, em 2013 o Ministro Teori Zavascki também ratificou a
jurisprudência do STF no MS 28.440 ED-AgR:
É igualmente firme a
jurisprudência do STF no sentido de que a atividade notarial e de registro, sujeita
a regime jurídico de caráter privado, é essencialmente distinta da exercida por
servidores públicos, cujos cargos não se confundem.
Ademais, outro ponto
que assevera a corrente doutrinária acima é que apesar da necessidade de
concurso público para o ingresso na atividade notarial, não há a existência de
um cargo respectivo, ou seja, não existe o cargo público de registrador
cartorário, por exemplo. Esse é outro motivo pelo qual a atividade notarial não
é serviço público propriamente dito(doutrina majoritária).
Corroborando com isso é
que, por exemplo, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 808202, o STF
definiu que:
Os substitutos ou
interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos
titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos
estabelecidos nos artigos 37, inciso II, e 236, parágrafo 3º, da Constituição
Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos
agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do
artigo 37, inciso XI, da Carta da República”.
Por conclusão lógica,
entende-se que os titulares de tabelionatos e demais profissionais
cartoriais(investidos via concurso público) não se submetem ao teto
constitucional contido no Art. 37 da CF. Inclusive, em 2014, houve uma proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 411/14, do deputado Washington Reis (PMDB-RJ)
que pretendeu justamente inserir os delegatários de serviços públicos e as
Estatais(Banco do Brasil, Petrobrás etc.) ao teto do STF – Tal proposta foi
rejeitada em 2017.
Responsabilidade nos
atos notariais
Pessoal, sobre a
responsabilidade nos atos notariais cumpre registrar que a Lei nº 8.935/94
regulamentou o Art. 236 da CF(acima transcrito):
Art. 22. Os notários e oficiais de registro são
civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por
culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes
que autorizarem, assegurado o direito de regresso.(Redação dada pela Lei nº
13.286, de 2016).
Parágrafo único. Prescreve em três anos a pretensão de
reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou
notarial. (Redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016).
Art. 23. A
responsabilidade civil independe da criminal.
Art. 24. A
responsabilidade criminal será individualizada, aplicando-se, no que couber, a
legislação relativa aos crimes contra a administração pública.
Parágrafo único. A
individualização prevista no caput não exime os notários e os oficiais de
registro de sua responsabilidade civil.
Até antes da redação da
Lei nº 13.826/2016 pairavam diversos questionamentos acerca da responsabilidade
nos atos notariais, porém, com a nova redação do Art. 22, ficou cristalino que
estes profissionais respondem civilmente por seus atos a título de dolo ou
culpa. Outrossim, plenamente cabível a responsabilização do Estado por tais
danos.
Importante mencionar
que mesmo antes da publicação da aludida Lei nº 13.826/2016, os tribunais
superiores vinham entendendo que caberia responsabilidade Estatal em atos
praticados por notários e registradores como podemos observar no julgado
abaixo:
RE 175.739-6/São Paulo,
Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.02.99, fixou: “RESPONSABILIDADE CIVIL –
ESTADO – NATUREZA – ATO DE TABELIONATO NÃO OFICIALIZADO – CARTAS DE 1969 E DE
1988. A responsabilidade civil do Estado é objetiva, dispensando, assim,
indagação sobre a culpa ou dolo daquele que, em seu nome, haja atuado. Quer sob
a égide da atual Carta, quer da anterior, responde o Estado de forma
abrangente, não se podendo potencializar o vocábulo ‘funcionário’ contido no
art. 107 da Carta de 1969. Importante é saber-se da existência, ou não, de um
serviço e a prática de ato comissivo ou omissivo a prejudicar o cidadão.
Constatada a confecção, ainda que por tabelionato não oficializado, de
substabelecimento falso que veio a respaldar escritura de compra e venda
fulminada judicialmente, impõe-se a obrigação do Estado de ressarcir o
comprador do imóvel.”
A titulo de
conhecimento, até a pacificação do entendimento, havia uma corrente que
entendia que a relação entre o usuário do serviço cartorário e o profissional
notarial era configuradora de relações de consumo, com a regência do Código de
Defesa do Consumidor, tendo assim o profissional cartorário responsabilidade
pessoal e objetiva. Tal entendimento soa estranho ao nosso sentir, visto que os
serviços notariais remuneram-se mediante emolumentos que possuem natureza de
taxa de acordo com o STF. Logo, isso torna os usuários contribuintes, e não
consumidores.
Reponsabilidade do
Estado é direta ou subsidiária nos atos notariais?
Mesmo com a pacificação
da possibilidade da responsabilidade civil dos notários e por vias de
consequência, a responsabilidade do Estado, houve divergências se essa
responsabilidade do Estado seria Direta ou subsidiária. Caso a responsabilidade
fosse subsidiária, o profissional cartorário seria responsabilizado diretamente
pelo ofendido(que sofrera o possível dano) e o Estado seria demandado apenas
ante o não cumprimento do ressarcimento por parte do profissional.
Ocorre que após anos de
debates, o STF fixou a seguinte tese de repercussão geral:
Tema 777/STF – tese
firmada: “O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e
registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a
terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de
dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.” RE 842846/SC.
Logo, observamos que a
responsabilidade Estatal por atos notariais é objetiva.
Conclusão
Finalizamos aqui mais
um artigo, pessoal. Visualizamos que a responsabilidade sobre atos notariais
foi evoluindo com o passar dos anos até chegar ao atual estado de pacificação
de entendimentos. Esperamos que a análise tenha sido útil.
Fonte: Estratégia
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