Introdução
Neste artigo propõe-se examinar a responsabilidade
civil dos notários e registradores brasileiros à luz do tratamento dispensado
pela Constituição Federal, lei dos registros públicos, Estatuto dos Notários e
Registradores e jurisprudência, fazendo-se uma análise de seus possíveis
avanços e retrocessos até a fixação do entendimento majoritário atual.
Quanto à metodologia, empregou-se o método indutivo
na coleta e exame material bibliográfico e na análise, o método dedutivo.
Da responsabilidade civil dos titulares
das serventias
A responsabilidade civil de notários e registradores
no Brasil é uma questão que de longa data tem causado discussões perante os
órgãos judiciais e mesmo atualmente, com a pacificação no âmbito jurisdicional,
conforme Tema 777 da Suprema Corte de Justiça do País, continua sendo objeto de
polêmica.
A fim de bem situar o leitor, antes que se adentre
na análise da responsabilidade civil desses profissionais, necessário se faz
recordar o tratamento dado à matéria nos últimos anos. Para tanto, tomar-se-á
como parâmetro de corte o texto da lei 6.015/73, com vigência a partir de
1ª/1/76.
Pois bem, esse diploma legal também conhecido como
lei dos registros públicos, adotou a teoria da responsabilidade subjetiva,
exigindo, em caso de reparação, que o oficial, seus substitutos e demais
prepostos tenham agido com dolo ou culpa, em prejuízo do interessado no
registro.
Aqui cabe abrir um parêntese, pois em que pese a lei
falar em oficial e registro, o texto deve ser lido como direcionado ao titular
da serventia, ou seja, abrange tanto os registros públicos quanto as notas.
Esclarecido isso, entende-se que ao entrar em vigor
a Constituição de 1988 a questão ganhou novos contornos, vacilando a
jurisprudência ora para o lado da teoria da responsabilidade subjetiva, ora
encampando a teoria da responsabilidade objetiva (direta ou indireta), tese
esta que passou ser a preferida quando entrou em vigor a conhecida lei dos
notários e registradores, diferente do período compreendido entre 5/12/88 e
18/11/84, no qual prevaleceu o entendimento da responsabilidade sem culpa, isto
é, necessitava-se fazer prova do fato e do nexo de causalidade para daí surgir
a obrigação de indenizar.
Noutro giro, a tese da responsabilidade objetiva foi
combatida duramente anos pelos notários e registradores, até que a lei 13.286,
de 10/5/16, ao dar nova redação ao art. 22 da lei 8.935/94, restabeleceu a
teoria subjetiva, confirmada pelo STF quando do RE 842.846 - Santa Catarina,
dando repercussão geral para fixar o entendimento no sentido de que o Estado
responde de forma objetiva pelos ações ou omissões dos notários e registradores
que causarem prejuízos a terceiros, assegurando-se o direito de regresso.
Vale lembrar, que a lei 6.015/94 na maioria de seus
aspectos foi recepcionada pela Constituição Federal e que a lei 8.935/94 em
momento algum chegou a afirmar que notário e registradores estariam sujeitos a
uma responsabilidade objetiva, portanto, não teria derrogado, neste particular
aspecto, a lei dos registros públicos, e, com a redação dada pela lei 13.286/16
ao parágrafo único de seu art. 28, não restam dúvidas de que em um primeiro
momento, eventual ação deverá ser dirigida contra o Estado.
Todavia, MEIRELLES1 atualizado por Eurico de
Andrade Azevedo, leciona que tanto as pessoas físicas quanto as pessoas
jurídicas prestadoras de serviço público devem responder conforme o princípio
da responsabilidade sem culpa, pois entende não se justificar que "(...) a
só transferência da execução de uma obra ou de um serviço originalmente
público, ao particular, descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere
o delegatário das responsabilidades próprias do Poder Público(...)", muito
embora em relação aos notários e registradores, julgue que o Estado ainda
continua com responsabilidade subsidiária, isto é, o Estado somente
assumiria a responsabilidade por atos do delegatário na impossibilidade desse
agente não contar com recursos para ele próprio fazer o ressarcimento dos danos
causados a terceiros em razão de seu ofício, tese esta já superada.
No plano doutrinário, entretanto, razão assiste a
BENÍCIO2 que, no estudo sobre a responsabilidade civil do Estado
decorrente de atos notariais e de registro ao indagar se as pessoas físicas
prestadoras de serviço público estão alcançadas pelo disposto no art. 37, § 6º
da Constituição, responde que notários e registradores, em decorrência de
atos próprios do serviço, não devem ser responsabilizados com fundamento na
teoria do risco administrativo, pois no seu entendimento a responsabilidade
objetiva é do Estado, cabendo-lhe unicamente ajuizar ação regressiva contra os
titulares das serventias para buscar eventual ressarcimento, mas nesse caso
deverá provar que esses profissionais ou seus prepostos agiram com dolo ou
culpa em face do tomador dos serviços.
De fato, lendo o artigo acima seria bizarro entender
que o Constituinte atribuiu aos notários e registradores uma responsabilidade
objetiva pela prática de atos próprios de suas atribuições legais, pois a
teoria do risco administrativo, aqui discutida dirige-se às pessoas jurídicas,
considerando que referido dispositivo constitucional nenhuma referência faz às
pessoas físicas prestadoras de serviço público, como é o caso dos notários e
registradores, em que pese essa tese ter sido majoritária na doutrina e
jurisprudência brasileiras, antes das mudanças trazidas pela lei 13.286/16.
Entretanto, o STF tem mantido ao longo de sua
história uma jurisprudência firme no sentido de que notários e registradores na
posição de ocupantes de cargos públicos, embora latu senso, somente devem ser
responsabilizados por atos próprios da atividade notarial e registral, diante
da demonstração de uma conduta dolosa ou culposa.
Da responsabilidade civil de interinos e
interventores
À luz da Constituição, o Estado não deveria prestar
os serviços notariais e de registro diretamente, mas em algumas hipóteses assim
tem sido feito diante da ausência de delegatários.
Com efeito, na vacância eventual de uma serventia
decorrente da extinção da delegação ou mesmo sem a extinção, como acontece
quando o titular é afastado durante a instauração de um processo
administrativo, o serviço notarial ou de registro passa a ser exercido, provisoriamente,
por um agente estranho a essas instituições, ou seja, por interino ou
interventor, respectivamente.
Nessas hipóteses, a lei, embora desviando-se do
modelo constitucional, tem admitido que a atividade notarial e de registro seja
temporariamente exercida por essas pessoas não concursadas, criando-se uma
situação anômala que já deveria ter sido reparada pelo legislador por meio de
mecanismos que superassem esses entraves, como por exemplo, estabelecendo-se a
obrigatoriedade de um prazo de dois anos prorrogável por igual período na
validade dos concursos públicos, pois assim procedendo não se eliminariam os
candidatos aprovados nos diversos certames que não foram chamados a assumir as
serventias vagas.
Por óbvio que nessas circunstâncias, na ausência do delegatário
e tendo o Estado designando alguém para responder pelo serviço de forma
provisória, deverá, também, ser responsabilizado pelos atos desses agentes
administrativos.
Na hipótese ora tratada, a responsabilidade civil do
Estado é objetiva, pois os seus designados não respondem objetivamente pelos
atos próprios da serventia, somente sendo responsabilizados pelos atos que
praticarem durante a intervenção ou interinidade, em eventual ação regressiva
requerida pela pessoa jurídica de direito público responsável pela designação a
título precário.
Com efeito, a precariedade do exercício da função
notarial e de registro também não retira do Poder Público a responsabilidade
pelos atos desses colaboradores esporádicos do Estado, antes reforça.
RIBEIRO aduz que:
Os designados atuam com o objetivo único de
assegurar a continuidade do serviço até que a unidade vaga seja levada a
concurso, razão pela qual é incompatível a sua manutenção no exercício dessa
atribuição, por natureza precária e transitória, caso defendam interesse
pessoal contrário à realização do concurso ou qualquer medida que importe no
provimento da referida unidade. Agem em nome do Estado, que pode e deve definir
seus parâmetros de atuação, pois, em caso de dano decorrente da prestação dos
serviços, responde diretamente perante terceiros, com direito de regresso em
face daqueles que precariamente designou para responderem pelo expediente vago.
Na citada obra4, o autor reafirma que o Estado tem
responsabilidade direta e solidária quanto aos danos causados pelo interino no
exercício da função notarial e de registro nas referidas unidades vagas,
reservando-lhe apenas o direito de regresso em face daqueles que precariamente
designou.
No mesmo sentido, CENEVIVA5 ao comentar a lei
8.935/94, na obra de igual prestígio, intitulada "Lei dos Notários e
Registradores Comentada", consigna que: "(...). No período de
vacância do delegado notarial ou de registro, o cumprimento das correspondentes
atividades é da responsabilidade do Poder Público até que, após concurso
público de ingresso ou de remoção, a vaga seja ocupada(...)".
Conclusão
Na atual quadra do desenvolvimento do país, a
responsabilidade de notários e registradores, por atos lesivos a terceiros no
exercício de suas atividades profissionais, não restam dúvidas de que seja
subjetiva, a exigir que o delegatário tenha agido com dolo ou culpa, o mesmo
ocorrendo com maior razão em relação aos interinos e interventores, eis que não
se tratam de pessoas especialmente selecionadas por meio de concursos públicos,
aumentando assim a responsabilidade do ente estatal.
Fonte: Migalhas