Mesmo sendo
uma ferramenta muito importante é preciso saber que a Usucapião Extrajudicial
não se aplica a todas as hipóteses.
"É MELHOR PREVENIR do que remediar" - esse é um ditado que muito provavelmente você já
deve ter ouvido. Com toda certeza ele também se aplica nas questões
relativas a imóveis, principalmente na AQUISIÇÃO, afinal de contas, a
compra de um imóvel costuma ser um fato muito importante na vida das pessoas,
não só pelo valor despendido mas principalmente por tudo que significa a
aquisição de uma moradia. Quando tratamos de prevenção na
aquisição de imóveis estamos referindo diretamente à assistência por
profissional especializado nessas questões e não apenas àqueles que estão
interessados unicamente na sua comissão pela conclusão do negócio; a
assistência preventiva que realmente importa e fará diferença é aquela que
começará no exame inicial da documentação e terminará com a entrega da certidão
do RGI ostentando o nome do adquirente como último registro, atualizado,
buscando reduzir os riscos inerentes às transações imobiliárias.
Como já destacamos em
muitas outras passagens, a Usucapião - excepcionalmente - pode representar
também "remédio" para resolver a aquisição de imóveis desde que
"evidenciada a EXCESSIVA DIFICULDADE ou impedimento de realizá-la pelas
vias administrativas" (TJSC. 5001268-92.2020.8.24.0055. J. em: 22/02/2024). Não são poucos os casos onde a aquisição de
imóveis é feita de forma atrapalhada sobre imóveis irregulares, por exemplo
aqueles situados em ditos "empreendimentos imobiliários"
irregulares ou até mesmo clandestinos. Com toda razão um exame prévio
da documentação deveria ter sido feito no momento que antecede a aquisição
porém, como vimos no início desse texto, nem sempre as partes (principalmente o
adquirente) estão acompanhadas de um ADVOGADO
ESPECIALISTA para aclarar seus olhos sobre os riscos do negócio que estão prestes a
fechar. É nesse cenário que, infelizmente, pode ocorrer a aquisição de uma
unidade autônoma (apartamento) estabelecido em Condomínio
irregular/clandestino uma vez constatada sua inexistência formal
perante o Cartório do Registro Imobiliário (RGI). Nesse caso será possível a
regularização via Usucapião, inclusive a Usucapião Extrajudicial que dispensa
processo judicial?
A reposta é afirmativa já
que, como se sabe as questões relativas à regularidade da ocupação do solo
assim como observações à regulações urbanísticas não são nem nunca foram
requisitos para o reconhecimento da Usucapião, razão pela qual não podem mesmo
representar empecilho tanto na via judicial quanto na via extrajudicial. Nesse
sentido a doutrina abalizada do Professor e Desembargador do TJSP, Dr.
FRANCISCO LOUREIRO (Código Civil Comentado - doutrina e jurisprudência. 2021):
"Controverte a
doutrina sobre questões atinentes a parcelamentos do solo clandestinos,
ocupação de áreas ele mananciais e ele proteção ambiental, de risco ou
inadequadas para moradias. É preciso entender, porém, que eventuais
ilegalidades dizem respeito à ocupação do solo e não à declaração de
propriedade. Parece pouco lógico que se negue a usucapião, mas se mantenham as
posses sobre imóveis irregulares, perpetuando situação de incerteza. A
usucapião NÃO GERA A OCUPAÇÃO IRREGULAR do solo, mas apenas é o primeiro passo
para futura reurbanização".
De fato, a Usucapião pode ser apenas o
PRIMEIRO PASSO para alcançar a regularização do bem. Não podemos perder isso de vista. Nesse sentido,
decisão paradigmática do STJ nos autos do REsp 1818564/DF (j. em:
09/06/2021):
"RECURSO ESPECIAL
CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DE IRDR. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. BEM
IMÓVEL URBANO. ÁREA INTEGRANTE DE LOTEAMENTO IRREGULAR. (...). O RECONHECIMENTO
DO DOMÍNIO DO IMÓVEL NÃO INTERFERE NA DIMENSÃO URBANÍSTICA DO USO DA
PROPRIEDADE. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. (...) 3. A prescrição
aquisitiva é forma originária de aquisição da propriedade e a sentença judicial
que a reconhece tem natureza eminentemente declaratória, mas também com carga
constitutiva. 4. Não se deve confundir o direito de propriedade
declarado pela sentença proferida na ação de usucapião (dimensão jurídica) com
a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou
com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão
urbanística). 5. O reconhecimento da usucapião não impede a
implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés,
constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a
regularidade da urbanização. (...) 7. Recurso especial não provido, mantida a
tese jurídica fixada no acórdão recorrido: É cabível a aquisição de imóveis
particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião,
ainda que pendente o processo de regularização urbanística".
Com toda razão,
especialmente amparado nesta importante orientação do STJ (que inclusive teve
tese firmada no Tema Repetitivo 1025) se mostra possível a regularização de
unidade autônoma (apartamento) em condomínio cuja regularização esteja pendente
perante o Registro de Imóveis inclusive - desde que é claro estejam
presentes e devidamente comprovados os REQUISITOS exigidos em lei para o
reconhecimento da aquisição via USUCAPIÃO. Não é demais ressaltar que
inclusive o Provimento CNJ 149/2023 reconhece a possibilidade da Usucapião
Extrajudicial nesses casos no par.4º do art. 417, verbis:
"§ 4.º Tratando-se de
usucapião de unidade autônoma localizada em condomínio edilício objeto de
incorporação, mas ainda não instituído ou sem a devida averbação de construção,
a matrícula será aberta para a respectiva fração ideal, mencionando-se a
unidade a que se refere".
POR FIM, decisão recente
do TJSP que prestigiando o entendimento firmado no STJ e no STF cassou a
sentença do juízo de piso que extinguia o processo diante de alegada
"impossibilidade jurídica" do pedido:
"TJSP. 1020859-46.2019.8.26.0554. J. em: 04/05/2022. USUCAPIÃO – CONDOMÍNIO IRREGULAR -
Sentença de extinção por impossibilidade jurídica do pedido - Recurso dos
autores - Possibilidade de usucapião de apartamento em condomínio
edilício irregular, ainda que este não tenha inscrição no registro de imóvel -
Modo de aquisição originária - Mitigação das restrições normalmente aplicáveis
ao registro – Precedentes - SENTENÇA ANULADA para prosseguimento do feito -
Recurso provido".
Fonte: Jornal Jurid