A autenticação de fatos é
atividade intrínseca à prestação dos serviços notariais. Quando um tabelião de
notas reconhece como verdadeira a assinatura aposta na sua presença em um
documento, ele autentica um fato. Da mesma forma, quando certifica que a reprodução
de um documento confere com o original ou quando constata objetivamente um
determinado acontecimento e o descreve em uma ata notarial, tornando-o
perene.1
A lavratura de ata notarial
é ato de competência exclusiva do tabelião de notas, com previsão expressa na
lei que regulamentou os serviços notariais e de registro - lei 8.935/94.
Contudo, é possível afirmar que a comunidade jurídica despertou para a ata notarial
quando a lei que instituiu o CPC - lei 13.105/15 -, a incluiu como um meio de
prova típico, conforme o artigo 384: "A existência e o modo de existir de
algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado,
mediante ata lavrada por tabelião". A esta ata notarial, a doutrina
estrangeira atribui o nome de "ata de constatação", pois é exatamente
isso que o tabelião faz, ele constata um fato e o consigna em um instrumento
público, revestido de valor probante cuja veracidade e autenticidade somente é
afastada por declaração judicial de falsidade (art. 427, CPC), incumbindo à
parte que a arguir o ônus probatório (art. 429, CPC).
A ata de constatação pode
ter por objeto qualquer fato (acontecimento) objetivamente percebido pelo
tabelião de notas, que o traduzirá na forma escrita com a estrutura gramatical
de uma narrativa. Não é à toa que a ata notarial é referida como uma "fotografia
em palavras", afinal, a partir da captação dos sentidos, o notário apurará
um fato e, sequencialmente, o descreverá em palavras, arquivando o instrumento
em livro próprio, tudo isso sem a emissão de juízos de valor2. Ainda assim, é
de salientar a inequívoca subjetividade, própria da condição de ser de cada
indivíduo, que proporciona a produção textual com nuances distintas a partir de
uma mesma constatação, caso dois tabeliães sejam chamados para presenciar o
mesmo fato.
A doutrina sinaliza diversos
exemplos de situações passiveis de aferição pelos sentidos do notário, como:
Mas, as atas notariais vão
além da mera descrição objetiva de fatos. Amparada nos ensinamentos
estrangeiros, a doutrina brasileira identifica diferentes espécies de atas
notariais, como a "ata de presença", "ata de notificação", "ata
de subsanação" e a "ata de notoriedade". Compreender a distinção
entre elas é fundamental, especialmente a partir do momento em que a legislação
passou a prevê-las em certos procedimentos. O primeiro caso é a usucapião
extrajudicial, introduzida no ordenamento jurídico pelo Código de Processo
Civil. O legislador trouxe, como primeiro requisito para requerimento junto ao
registro de imóveis, a ata notarial de atestação da posse. Na sequência, a Lei
14.382/22 disciplinou o procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial,
e a ata notarial figura como requisito para provar o pagamento do preço e a
mora na obrigação de outorga ou recebimento do título de propriedade. Mais
recentemente, a lei 14.711/23 incluiu um novo artigo na lei 8.935/94 e deu
competência expressa aos tabeliães de notas para lavratura de atas de
certificação do implemento ou frustração das condições negociais. Em todos
esses procedimentos, as atas notariais não são de constatação, porque a tarefa
do tabelião de notas transcende a mera constatação objetiva de um fato. Nessas
atas haverá um o juízo notarial, sim, que envolve a apuração sobre a realidade
de um fato ser considerado certo em determinado contexto, para, então,
certificá-lo.
No caso da usucapião
extrajudicial, a ata notarial tem por finalidade atestar o exercício da posse,
com as características necessárias e durante determinado período de tempo. Para
isso, é indispensável que ao tabelião de notas seja fornecido os elementos
suficientes, aqui compreendidos por documentos, depoimentos de vizinhos,
confrontantes, diligências no local e, em suma, tudo para que se forme o
convencimento de que aquele fato (posse) é certo naquele contexto e por aquele
período de tempo (o necessário de acordo com a espécie de usucapião). Esse é
conteúdo a ser atestado. Até porque não é possível uma constatação objetiva de
posse pretérita, e toda posse que legitima usucapião, é pretérita.
Enquanto na ata de
constatação, espécie mais conhecida e amplamente utilizada, o tabelião de notas
consigna de forma objetiva os fatos que foram por ele presenciados ou as
evidências observadas, como a presença de pessoas em determinados locais, o
conteúdo de páginas na internet, mensagens de texto ou o estado físico de bens
e imóveis, na ata de notoriedade ou certificação, a atuação notarial envolve um
processo mais aprofundado de investigação, análise e decisão. Diferentemente do
que acontece na ata de constatação, na ata de certificação, é inequívoco o
juízo de valor pelo tabelião de notas, e por isso é fundamental a compreensão
pelo advogado que representa o interessado no procedimento de que os elementos
probatórios apresentados são decisivos para que a finalidade da ata notarial
seja alcançada.
No caso da ata de
certificação do implemento ou frustração das condições ou outros elementos
negociais, a atividade notarial pode alcançar um impacto ainda maior, definindo
os rumos da relação contratual sem a necessidade de atuação do Poder
Judiciário. Nela, o notário realiza um juízo valorativo acerca do direito, o
que demandará uma análise técnica e jurídica minuciosa, condizente com os
fundamentos balizadores da função notarial (de caráter jurídico, preventivo,
pacificador, imparcial, público, rogatório e técnico da atividade notarial).5
Com efeito, a fim de se
extrair todo o potencial existente nas atas notariais, é preciso compreender
que o papel do tabelião de notas vai além da verificação, autenticação e
documentação de fatos objetivos - limitação histórica que se explica, em parte,
por sua recente descoberta pela comunidade jurídica. Os novos procedimentos que
iniciaram com a usucapião extrajudicial no Código de Processo Civil expandem os
horizontes da ata notarial, trazendo-lhes novos contornos, inclusive com
funções mais analíticas e valorativas. Nessas "novas atas", como as
de notoriedade, o notário exerce uma função que se aproxima de um juízo
técnico, no qual sua interpretação e análise dos fatos têm consequências
diretas para a segurança jurídica dos atos praticados.
A confiança depositada no
tabelião de notas pelo legislador reflete uma expectativa de que ele seja capaz
de manejar complexidades jurídicas com precisão e imparcialidade, afinal
"el registro notarial consagra la seguridad preventiva mediante formalismos
que garantizan la validez de los contratos y propician un ambiente de confianza
para la actividad económica"6. A responsabilidade do tabelião é garantir
que as atas reflitam fielmente os fatos e condições, certificando, em certos
casos o próprio direito, minimizando riscos de litígios e incertezas jurídicas.
A evolução do direito
notarial exige um alto nível de conhecimento técnico e jurídico, para o
desempenho das funções com a diligência e competência necessárias. A ampliação
das espécies de atas notariais e a complexidade a algumas delas intrínsecas
refletem as demandas sociais e jurídicas contemporâneas. Não se trata de mera
extensão das antigas práticas, mas, com efeito, de uma reconfiguração do
próprio conceito de juízo notarial, exigindo dos tabeliães de notas uma atuação
cada vez mais qualificada e multidimensional. Isso reforça a sua presença como
um garantidor da segurança jurídica e da efetividade dos atos e negócios
jurídicos na sociedade moderna.
Fonte: Migalhas