Consoante dispõe o artigo 1.689 do Código
Civil, aos pais, no exercício do poder familiar, cabe o usufruto e a
administração dos bens dos filhos menores.
Essa regra, embora pouco debatida, adquire
especial relevância em situações delicadas, como o falecimento de um dos
genitores, que deixa aos filhos patrimônio de considerável valor. Nessa
hipótese, é o genitor sobrevivente que administrará esses bens herdados pelo
filho e receberá os frutos por eles gerados.
Na prática, não raro, uma interpretação
equivocada desse dispoitivo conduz a um cenário em que o genitor sobrevivente
usufrui, por anos, a totalidade do patrimônio pertencente aos filhos menores,
sem qualquer prestação de contas ou preocupação com uma gestão diligente ou
ainda com a preservação dos bens.
Apesar de não ser a regra, há situações em
que, ao atingir a maioridade, o herdeiro descobre que seu patrimônio foi
totalmente consumido, sem qualquer justificativa.
Revela-se então um verdadeiro paradoxo: o
genitor sobrevivente delibera sobre o destino dos bens e usufrui livremente
deles — muitas vezes sem preparo técnico ou em desacordo com os interesses do
filho —, enquanto o herdeiro, embora titular do patrimônio, é quem assume os
riscos e, por vezes, suporta a perda definitiva do que lhe era de direito.
Esse conflito entre o efetivo titular do
patrimônio e aquele que exerce poder sobre ele se torna ainda mais evidente em
contextos societários. Imagine-se uma estrutura em que o genitor falecido
detinha quotas de uma sociedade operacional, as quais, por força de sua
sucessão, são transmitidas aos seus filhos menores.
Nessa hipótese, a genitora sobrevivente
deteria o usufruto parental — independentemente de ter sido casada ou conviver
com o pai da criança ao tempo do falecimento —, o que lhe conferiria o
exercício pleno dos direitos políticos e econômicos vinculados à participação
societária pertencente ao filho menor.
Assim, competiria à genitora, em
princípio, o direito de votar em assembleias, deliberar sobre os rumos da
sociedade e influenciar diretamente sua condução.
Do mesmo modo, os dividendos eventualmente
distribuídos pela sociedade seriam percebidos exclusivamente por ela, e não
pelo filho.
Situação análoga se projeta sobre ativos
financeiros. Cotas de fundos de investimentos, ações negociadas em bolsa,
criptomoedas e investimentos outros, frequentemente, compõem o acervo
transmitido a filhos menores. Na ausência de disposições específicas, caberia,
no caso aqui cogitado, à genitora sobrevivente não apenas a administração
desses investimentos, mas também a percepção integral dos rendimentos por eles
gerados.
Isso significaria que, a rigor, os frutos
desses ativos — lucros, juros, valorização — seriam dessa genitora enquanto
perdurar o usufruto, e as deliberações — como, por exemplo, vender ações,
realizar investimentos e reinvesti-los, ou migrar ativos conservadores para
ativos mais arrojados — caberiam à genitora, independentemente do seu grau de
conhecimento técnico e do seu alinhamento com os interesses patrimoniais do
filho.
Acervo imobiliário
A complexidade também se estende a acervos
imobiliários, frequentemente compostos por imóveis residenciais e de lazer,
comerciais ou áreas rurais. Nesses casos, a genitora usufrutuária poderia não
apenas utilizar tais bens, mas também deliberar a seu respeito, inclusive sobre
contratos de locação e/ou arrendamentos.
A multiplicidade de situações evidencia a
amplitude do regime jurídico do usufruto parental. Trata-se de uma figura que,
embora fundada na ideia de proteção aos filhos menores, tem conferido ao
genitor sobrevivente poderes amplos e quase irrestritos sobre o patrimônio –
isso diante do desvirtuamento de seu conceito.
Essa realidade, longe de ser apenas
teórica, tem suscitado controvérsias que decorrem da dificuldade de
entendimento acerca da evolução desse instituto jurídico, do seu objetivo, da
sua abrangência e dos seus limites.
Decorrência dessa dificuldade de
compreensão pode ser vista em entendimentos imprecisos no sentido de que seria
possível o consumo do patrimônio herdado pelos filhos — incluindo não apenas a
utilização dos rendimentos gerados pelos bens, mas também esgotamento dos
próprios ativos —, sem se atentar que o ordenamento jurídico prevê salvaguardas
capazes de assegurar a preservação do patrimônio, uma gestão
responsável/transparente e voltada ao melhor interesse do filho.
Fonte: Conjur