Primeira
biblioteca pública do Estado guarda a memória literária e cultural dos gaúchos
Mais
do que um edifício de estantes e livros, a Biblioteca Pública do Estado do Rio
Grande do Sul é um verdadeiro monumento ao conhecimento. Localizada no centro
de Porto Alegre, na Rua Riachuelo, a instituição completou 150 anos em 2021
como a mais antiga biblioteca pública gaúcha, guardiã de milhares de obras e
testemunha da evolução cultural do Estado.
Sua
história começou em 1871, no Theatro São Pedro, com um acervo formado por
doações de intelectuais da época. Foi apenas em 1914, no entanto, que ganhou
sede própria — um prédio projetado pelo engenheiro Manoel Itaqui, com traços
ecléticos e interior marcado pela imponência de suas escadarias e claraboias.
Diferentemente
de outras instituições históricas, a biblioteca sempre manteve as portas
abertas ao público, mesmo em períodos de dificuldade. Sobreviveu a incêndios,
reformas e mudanças de gestão, reafirmando seu papel como espaço de acesso
livre à informação e à literatura.
Seu
acervo é um dos seus maiores tesouros: são mais de 180 mil volumes, incluindo
coleções raras, obras de autores gaúchos, periódicos centenários e a coleção
pessoal de Luís Carlos Barbosa Lessa. Muitas dessas obras estão disponíveis não
só fisicamente, mas também em formato digital, graças a projetos de
modernização e preservação.
Documentos
históricos, como a escritura de compra e venda do terreno, são fundamentais
para reconstituir a memória do local e compreender a evolução urbana e social
da região. A escritura é muito mais do que um documento de posse: ela atua como
uma janela para o passado, revelando camadas de história que ajudam a
compreender a formação social, econômica e urbana do entorno. Por meio dela, é
possível identificar a paisagem original, os agentes que nela atuaram e as
transformações que moldaram a comunidade ao longo do tempo.
De
acordo com a equipe técnica da Biblioteca e do IPHAE, “a análise atenta da
escritura ou matrícula de um imóvel permite compreender, desde o início, como
se deu a distribuição do território onde aquele bem está instalado. Desde a Lei
de Terras (1850), o Brasil passa a registrar seu território e os proprietários
designados para a administração de cada porção de terra em um único documento.
Toda matrícula indica a sua própria origem, sucessivamente, mostrando quem eram
os proprietários, os lindeiros e o valor monetário atribuído àquela porção de
terra. Além disso, é possível fazer uma espécie de remontagem do território,
compreendendo como eram as terras antes das divisões que originaram os lotes;
os sistemas de moradia, com indicação das técnicas construtivas das
edificações; e como era a produção, ao se apontar a existência de galpões,
indústrias ou outros bens agregados à terra”, explica a equipe, que completa:
“No
caso da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, podemos perceber, ao
analisar a escritura de compra e venda, que existia um prédio anteriormente no
terreno adquirido pela Fazenda do Estado. Identifica-se a compra do prédio da
Empresa União Telefônica, posteriormente demolido para a construção da
Biblioteca. Também são citados os vizinhos e a posição solar. Esse documento é
datado de 3 de julho de 1911 e foi escriturado no 2º Cartório de Notas de Porto
Alegre, livro nº 123, folha 56. Com essas informações, e outras ainda
constantes no documento, podemos ir traçando a história e trabalhando com a
comunidade esses aspectos na construção do conhecimento.”
“As
escrituras públicas são fontes primárias para o historiador; elas são
indicativos das transformações sociais, econômicas e urbanas de uma localidade.
Registram a transação de compra e venda e a consequente transformação do espaço
urbano. Refletem a vida das cidades, o desenvolvimento econômico e o avanço
tecnológico. Além disso, a análise dos nomes dos proprietários, atrelada à
estimativa de seu patrimônio, é uma importante fonte para métodos que estudam a
formação das elites de determinada sociedade, como ocorre na prosopografia ou
na micro-história. Nota-se, portanto, a importância desse tipo de documento
para a construção da história e da memória do local e da própria Biblioteca.
Através da leitura e da análise dessas fontes, podemos construir e compartilhar
a história da instituição”, reforça a equipe técnica.
O
edifício, com área de 1.350 m² distribuídos em três pavimentos, é reconhecido
por sua fachada simétrica e pela utilização de materiais duráveis, como
alvenaria autoportante de tijolos e estruturas em madeira de lei. A fachada
principal, voltada para a Rua Riachuelo, apresenta ornamentos em relevo,
frontão triangular e cunhais de pedra aparente, características típicas do
ecletismo da época. O projeto inicial previa também um mirante, posteriormente
suprimido, que destacaria ainda mais sua presença urbana.
No
interior, destaca-se a escadaria de acesso ao segundo pavimento, com corrimão
de madeira trabalhada e piso em tábuas corridas. Os ambientes são iluminados
por grandes janelões e por um saguão central com claraboia, que confere leveza
e amplitude ao espaço. Originalmente, o pavimento térreo abrigava a
administração e o atendimento ao público, enquanto os andares superiores eram
reservados às salas de leitura e ao acervo.
Ao
longo do século XX, o prédio passou por diversas intervenções, incluindo a
substituição do telhado original e a instalação de novos sistemas elétricos e
de proteção contra incêndio. Em 1986, foi tombado como patrimônio histórico
estadual, garantindo a preservação de seus elementos originais. Mesmo com as
adaptações, manteve-se fiel à sua essência, preservando pisos de madeira, altos
rodapés e esquadrias internas.
Além
de empréstimo e consulta de livros, a Biblioteca oferece atividades regulares,
como clubes de leitura, contação de histórias, exposições e saraus, tornando-se
um polo vivo de cultura e convívio. Seu tombamento como patrimônio histórico
estadual assegura que sua arquitetura e relevância cultural sejam preservadas
para as futuras gerações.
Hoje,
vinculada à Secretaria Estadual da Cultura, a Biblioteca Pública do RS segue
escrevendo sua história — não apenas guardando o passado, mas construindo
futuros por meio da leitura. É um lugar de encontro, memória e descoberta, onde
cada livro conta uma história, e cada leitor pode encontrar a sua.
Fonte:
Assessoria de Comunicação – CNB/RS