Em dias de pandemia do coronavírus, inúmeros são os questionamentos
acerca dos reflexos nos contratos de trabalho. Os mais pessimistas defendem que
ocorrerão demissões em massa decorrentes da ausência de demanda por mão de obra
ou pela falência de empresas (de pequeno, médio e até grande porte); Há quem
resguarda certo otimismo, no sentido de que em tempos de crise, alguns setores
da economia necessitarão de força de trabalho, como nas empresas de saúde,
indústria farmacêutica e outros.
Otimista ou pessimista, fato é que a hodierna crise mundial
afeta diretamente nosso país (como não poderia ser diferente), fazendo com que
Empresas e Empregados unam esforços para que sejam mantidos os postos de
trabalho e a continuidade da atividade empresarial, de forma a garantir a vida,
saúde e incolumidade física e psicológica dos agentes envolvidos.
Em meio a essa problemática, trazemos algumas possibilidades
para que haja o enfrentamento da crise, inclusive com as alterações trazidas
pela MP 927, de 22 de
março de 2020.
Férias Coletivas
A impresa poderá conceder férias coletivas, seja para todos
os empregados, para determinados estabelecimentos (filiais, por exemplo) ou
setores da empresa (administrativo, operacional, oficina etc.).
O art. 139, parágrafos segundo e terceiro da CLT1 estabelece
que que o Empregador deverá comunicar ao Ministério da Economia Local (antigo
Ministério do Trabalho e Emprego) a data de início e término das férias, bem
como quais estabelecimento e grupos de empregados serão abrangidos pela medida.
A inobservância ao prazo para comunicação estabelecido ensejaria fiscalização e
aplicação por parte do Ministério da Economia e, eventualmente, a aplicação de
multa.
Entretanto, a MP 927 de 22 de março de 2020 trouxe
significativa alteração: o empregador poderá conceder férias coletivas a seus
empregados, devendo notificá-los com antecedência mínima de 48 horas, sendo
dispensada a comunicação prévia dos sindicatos das categorias e do Órgão local
do Ministério da Economia. Não mais é necessária a observância dos limites
anuais e relativos aos dias corridos de férias, ficando afastada, por ora, a
aplicação do art. 139, § 1º da CLT.
Dizeres outros, é permitido que o empregador conceda férias
coletivas, comunicando tão somente os empregados atingidos com antecedência
mínima de 48 horas, dispensada a comunicação formal ao Órgão local do
Ministério da Economia e os Sindicatos.
Férias Individuais
Há a possibilidade de concessão de férias individuais aos
empregados, inclusive àqueles que não tenham passado pelo período aquisitivo,
como se verá oportunamente.
Concernente ao gozo das férias individuais, temos que: (i) a
comunicação prévia ao empregado foi reduzida de 30 dias para 48 horas; (ii) o
tempo mínimo do período de gozo será de 5 dias; (iii) o pagamento das férias
poderá ser feito até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das
férias2; (iv) o abono (terço de férias) poderá ser pago até a data da última
parcela do 13º salário do ano corrente; (v) a conversão de um terço das férias
em abono pecuniário (art. 143 da CLT) dependerá de concordância expressa do
empregador, devendo o requerimento por parte do empregado ser feito em até 48
horas antes do início do gozo das férias; (vi) os funcionários tidos como
integrantes do grupo de risco terão prioridade.
Inovação trazida também pela MP 927/20, refere-se à
possibilidade de antecipação de férias individuais, mesmo não tendo havido a
transcorrência do período aquisitivo. No caso de férias em que já se cumpriu o
período de aquisição, aplicam-se as regras dispostas alhures.
Relativo à antecipação de férias em que não houve o
cumprimento integral do período aquisitivo, sem prejuízo das ressalvas
anteriores, importante ter em mente que esse instituto tem ligação direta com
questões de saúde e segurança do trabalhador. Dessa forma, a antecipação das
férias cujo período aquisitivo não foi integralmente cumprido, pode ocasionar o
labor por dois, três, quatro ou mais anos sem gozar férias, o que é
contraindicado, mormente sobre a possibilidade de aumento de casos de doenças
de cunho ocupacional ou acidentes de trabalho.
Desse modo, considerando a urgência e excepcionalidade do
momento, a concessão das férias seria providência que visa preservar a vida, a
saúde e a incolumidade física dos empregados e da população, além de assegurar
os postos de trabalho e a renda.
Licença Remunerada e Compensação
A lei 13.979/20, que
trata justamente das excepcionalidades decorrentes do coronavírus, prevê
medidas de afastamento, quarentena e restrição de circulação. Em seu Art. 3º, §
3º, a referida Lei prevê o abono dos dias de falta do empregado, em
consequência das medidas preventivas para fins de controle, nesse caso, da
pandemia.
Noutros dizeres, o contrato de trabalho dos empregados
atingidos pela quarentena ou isolamento, mesmo que não infectado, mas como
medida de prevenção, ficará interrompido. Dessa forma, por se tratar de
interrupção do contrato de trabalho, deverá o Empregador arcar com os salários
e demais obrigações pecuniárias.
No entanto, caso a licença seja superior a 30 dias
consecutivos, o empregado não mais terá direito às férias, iniciando novo
período aquisitivo se inicia após o fim desse afastamento (art. 133, inciso
III, da CLT)
A Empresa poderá celebrar ajuste por escrito com os seus
colaboradores, prevendo que o período de licenciamento servirá como compensação
das horas extras anteriormente laboradas ou, ainda, adotar a regra do artigo
61, § 3º3, da CLT, que prevê que o empregado, mediante a interrupção da
prestação de serviços, poderá prorrogar a jornada diária por até 2 horas extras
(respeitando o limite de 10 horas por dia), por um período de até 45 dias, para
compensar o período de afastamento.
Teletrabalho (Home Office)
Previsto nos artigos 75-A e seguintes da CLT e com
alterações trazidas pela Medida Provisória 927/20, o teletrabalho é o serviço
prestado preponderantemente fora das dependências da Empresa por meio de
tecnologias da informação e comunicação, os quais, por sua natureza, não sejam
considerados como trabalho externo.
Nesse caso, não há necessidade de novas contratações no
regime de teletrabalho. Com efeito, a alteração do regime presencial para o
teletrabalho e vice-versa poderá ser feita por iniciativa exclusiva do
empregador, dispensada as formalidades de registro prévio por meio de aditivo
contratual
Entretanto, as alterações para o regime de teletrabalho ou a
reversão deverá ser precedida de notificação com antecedência mínima de 48
horas, por escrito ou por meio eletrônico. Nesse particular, vale registrar que
os equipamentos e a infraestrutura para a realização do trabalho remoto ou home
office poderão ser fornecidos pelo empregador, sem que isso configure salário
ou integre o contrato de trabalho.
Lado outro, não havendo o fornecimento dos equipamentos e
infraestrutura, o período normal da jornada de trabalho deverá ser considerado
como tempo à disposição e, portanto, haverá a necessidade de remuneração.
Merece atenção, ainda, que o tempo despendido na utilização
de aplicativos ou outros programas de comunicação fora do horário ou jornada de
trabalho, não será considerado como tempo à disposição do empregador, salvo se
acordo individual ou coletivo contiver previsão em sentido contrário.
Por fim, é permitida também aos estagiários e aprendizes a
aplicação do regime de teletrabalho, desde que observadas as disposições da
Medida Provisória e leis específicas.
Redução Salarial e da Jornada de Trabalho
Não por acaso vista por derradeiro, a Constituição Federal
permite4 a redução dos salários por meio de negociação coletiva. Assim, é
possível que o Acordo Coletivo ou a Convenção Coletiva e Trabalho estabeleçam a
redução da jornada de trabalho com a consequente adequação da remuneração
devida.
A adequação poderá abranger a jornada (tempo/horas) ou dias
de trabalho, sendo vedado o trabalho em regime extraordinário, sob pena de
nulidade do novo regime. Importante repisar que redução feita por meio de
negociação coletiva deverá observar os princípios constitucionais da dignidade
humana e vedação ao retrocesso.
Para a negociação coletiva, o Sindicato convocará assembleia
geral e, caso não haja a celebração de acordo, a Empresa poderá submeter os
termos à Justiça do Trabalho. A nosso sentir, o art. 503 da CLT não foi
recepcionado pela Carta Republicana, mormente porque essa trouxe previsão
expressa de que a redução salarial só será possível mediante negociação
coletiva.
Na mesma esteira segue a lei 4.923/65, de modo que os
critérios nela previstos (à exceção do caput do art. 2º) não serão aplicados.
Isso porque o critério de flexibilização escolhido pelo legislador constituinte
foi a negociação coletiva, sendo essa específica e mais acurada no que diz
respeito à defesa dos empregados e à saúde da empresa.
Todavia, não há empecilho para a adoção dos critérios da
supramencionada lei, desde que sejam feitos por instrumento coletivo de
trabalho (acordo ou convenção).
Considerando o contexto e a motivação da adoção dessa
medida, principalmente no que diz respeito ao zelo pela saúde dos colaboradores
e das pessoas da sociedade em geral, entendemos que a aplicação de multa ou
ações judiciais que discutam a (i)legalidade das férias concedidas poderá ser
dirimida, com base nos princípios da razoabilidade, proporcionalidade,
supremacia do interesse público/coletivo sobre o privado.
Fonte: Migalhas