Há muito o universo jurídico trafega na insegurança quanto a
validade jurídica atribuída ao documento digitalizado, aliada a questionamentos
quanto ao descarte do documento original produzido em meio físico.
No âmbito do processo judicial Informatizado a Lei
11.419/2006 dispôs no art. 11, § 3º, que cabe ao detentor do
documento do original preservá-lo até o trânsito em julgado da sentença ou,
quando admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória. Se
ficasse a cargo dos Tribunais a digitalização estipulava-se data limite para o
detentor do documento físico retirá-lo em cartório, data a partir da qual seria
eliminado o original.
Em 2012, a Lei
12.682 deliberou sobre a digitalização e o armazenamento em meio
eletrônico de forma genérica, silente quanto a possibilidade de destruição do
documento físico. De forma tímida a norma limitou-se a conceituar a
digitalização, estipulando que esse processo deveria ser realizado de forma a
manter a integridade, a autenticidade e, se necessário, a confidencialidade do
documento digital, com o emprego de certificado digital emitido no âmbito da
Infraestrutura de Chaves Pública Brasileira – ICP- Brasil. E, superficialmente
mencionava a necessidade de proteção quanto ao acesso, uso, alteração,
reprodução e destruição não autorizados.
Os tabeliães prestam o serviço de autenticação de documentos
digitalizados, assinada digitalmente a certidão revestida de fé pública,
atestando a autenticidade da cópia digitalizada. Nesse procedimento sempre foi
necessária a apresentação do documento original registrado no suporte físico do
papel para confronto do teor.
Em 2019, a chamada MP da liberdade econômica (881/2019)
– convertida na Lei 13.874/2019 -,
estabeleceu como essencial ao desenvolvimento e crescimento econômicos do País
o direito de toda pessoa natural ou jurídica arquivar qualquer documento por
meio digital. O documento digital foi equiparado ao documento em meio físico,
para todos efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito
público, deixando pendente a regulamentação dos requisitos técnicos a serem
observados.
Foi ainda alterada a Lei 12.682/2012 para autorizar a
destruição do documento original após a digitalização – se constatada a
integridade do documento digital -, observada a legislação específica e após
decorridos os respectivos prazos de decadência ou de prescrição.
A necessária regulamentação para descarte do documento
original nasceu agora com o Decreto
10.278/2020, do último dia 18 de março. A fim de que os documentos
digitalizados produzam os mesmos efeitos jurídicos do documento original, foram
definidos os meios e técnicos requisitos para a digitalização de documentos
públicos ou privados.
As novas disposições se aplicam aos documentos físicos
digitalizados, produzidos por pessoas jurídicas de direito público interno, de
direito privado ou por pessoas naturais.
O texto legal apresenta os conceitos de documento
digitalizado, de metadados, de documento público e de integridade, elege a
responsabilidade pela digitalização, elenca as condições de armazenamento de
documentos digitalizados e trata da preservação de documentos com valor
histórico.
Corretamente foi ratificada a necessidade do uso da
assinatura digital padrão ICP-Brasil, tanto na digitalização que envolva
entidades públicas, assim como nas relações entre particulares quando
inexistente acordo prévio entre as partes.
O documento digitalizado quando destinado a comprovação de
qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno, deverá seguir
os padrões técnicos e conter metadados mínimos, devidamente especificados
nos anexos
I e II do Decreto.
O grande rompimento de paradigma se extrai da destruição do
documento físico após a digitalização que deve atender a tabela de
temporalidade documental.
Para assegurar a indispensável segurança, os procedimentos e
as tecnologias utilizados na digitalização de documentos físicos devem
assegurar: a integridade e a confiabilidade do documento digitalizado; a
rastreabilidade e a auditabilidade dos procedimentos; o emprego dos padrões
técnicos de digitalização para garantir a qualidade da imagem, da legibilidade
e do uso do documento digitalizado; além de atender aos requisitos de
confidencialidade e interoperabilidade entre sistemas informatizados.
Diante dessa nova possibilidade de descarte do documento
original recairá sobre o detentor do documento a responsabilidade legal por
esse procedimento.
No passado tanto os prestadores de serviço de microfilmagem
quanto os cartórios deveriam se registrar perante o Ministério da Justiça e se
sujeitar à sua fiscalização (Decreto
1.799/96, revogado pelo Decreto 10.149/2019).
A segurança jurídica neste agora se dirige a indispensável
comprovação de atendimento dos requisitos técnicos pelos prestadores de serviço
de digitalização.
Fonte: JOTA