É possível determinar a prestação de contas para
fiscalização de pensão alimentícia, pois a guarda unilateral pela mãe do menor
obriga o pai a supervisionar os interesses dos filhos, sendo parte legítima
para solicitar informações.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça deu parcial provimento a um recurso especial para obrigar a mãe de uma
criança a apresentar contas ao pai, demonstrando como utiliza o valor pago em
pensão alimentícia. A decisão foi tomada por maioria, por três votos a dois.
O entendimento vencedor se baseia no parágrafo 5º do artigo
1.583 do Código Civil, que institui essa responsabilidade de supervisão ao
genitor que não detém a guarda. Por isso, "sempre será parte legítima para
solicitar informações ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em
assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e
psicológica e a educação de seus filhos".
A decisão desafia precedente da própria 3ª Turma, que há pouco
mais de um ano definiu que deficiências na administração da pensão devem ser
objeto de análise global na via judicial adequada — não por prestação de
contas. Esse foi o entendimento mantido pelos ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, relator do recurso, e Ricardo Villas Bôas Cueva.
Divergência vencedora
Abriu a divergência o ministro Moura Ribeiro, que superou os
entraves do procedimento especial previsto nos artigos 550 a 553 do Código de
Processo Civil para admitir a prestação de contas no caso. "Talvez
não de forma mercantil, mas um pai tem o direito de saber se o filho está tendo
o devido atendimento", concordou o ministro Marco Aurélio Bellizze.
O desempate a favor da divergência foi confirmado pelo voto
da ministra Nancy Andrighi, durante a sessão por videoconferência nesta
terça-feira (26/6). Ela apontou que o pedido do pai na inicial não tem qualquer
requerimento de reconhecimento de existência de crédito — um dos entraves para
reconhecer a prestação de contas, já que as prestações já pagas são irrepetíveis.
"O pedido de prestação de contas enquanto no
procedimento especial é bifásico e objetivamente complexo — reúne obrigação de
fazer, prestar contas na primeira fase, depois na segunda fase uma condenação
—, o que não me parece excluir a possibilidade de pedido simples de prestação
das contas, seguindo o procedimento comum, não o especial", apontou.
Entender diferente, segundo a ministra, significaria dizer
que o direito previsto no parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil não
poderia ser exercido em hipótese alguma. "Não podemos deixar a parte sem
instrumento legal", destacou. "Não se pode igualar a prestação de
contas como procedimento especial com aquele previsto no Código Civil",
concluiu.
Indícios de mau uso da pensão
Ao decidir, os ministros da 3ª Turma destacaram as
especificidades do caso concreto. O menor em questão tem severas necessidades
especiais: é portador de Síndrome de Down, transtorno de espectro autista,
problemas na coluna vertebral e deficiência visual.
Para a ministra Nancy Andrighi, os autos trazem
"indícios" de que os valores não estariam sendo vertidos em
proveito do menor. O pai paga pensão no valor de 30 salários mínimos, mas ainda
assim faz substanciosos gastos com a saúde do menor, que estuda em escola pública,
"certamente incompatível com necessidades", segundo a autora do voto
de desempate.
Assim, a partir do resultado da prestação de contas,
inúmeros resultados podem surgir, todos em benefício do menor. Inclusive poderá
fundamentar pedido de revisão de alimentos, ação de pedido de guarda,
destituição de poder familiar ou reparação por danos materiais ou morais.
"Dado que no caso não houve destituição do poder
familiar em relação ao genitor, ele não apenas poderia, mas deveria ter algum
mecanismo de acompanhamento para ver se os alimentos estão efetivamente
vertidos em favor do menor com tantos problemas. Poderá, inclusive, ser
responsabilizado por sua omissão", destacou a ministra Nancy
Andrighi.
REsp 1.814.639
Fonte: Consultor Jurídico